sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Questão do aborto

     Quero inicialmente pedir desculpas pela baixa frequência com que venho postando artigos. Irei tentar melhorar neste aspecto.

     O tema de hoje será o aborto. O motivo foi um vídeo feito por atores da Globo feito há algum tempo. Ele levanta várias questões que seria preciso analisar mais atentamente.

     Há a alegação de que Maria não teria concebido por ação do Espírito Santo, e que isso teria vindo de erros na tradução. Eu não tenho estudo suficiente sobre isso, mas há um vídeo muito legal cujo link segue: https://www.youtube.com/watch?v=CODSEFnUHgk .
    Antes de ir diretamente para o tema, acho interessante um ponto levantado por  Reinaldo Azevedo: Se alguém defende o aborto para que o ser humano que venha ao mundo não sofre, não é difícil imaginar que tal pessoa veja em cada criança abandonada alguém que deveria ser abortado. Como diz o Conde, defender o aborto trata-se de querer decidir quem vive e quem morre, uma violação óbvia à dignidade humana. Vamos com calma. O que pretendo aqui é tratar diretamente do aborto

1 O aborto é uma matéria religiosa?

     Primeiro, para evitar que alguém pense ou comente algo como "você está querendo impor a sua crença sobre todas as pessoas do Brasil", é preciso mostrar brevemente que o aborto não é uma questão apenas religiosa. Neste tópico não irei adentrar no mérito do aborto.
     O aborto é uma matéria religiosa? Sim. É SÓ uma matéria religiosa? Não. Uma discussão sobre o aborto pode ocorrer em diversos campos, não necessariamente envolvendo argumentos religiosos.
     Faço uma analogia: A mentira é uma matéria religiosa? Sim. Falso testemunho é pecado em diversas religiões. É só uma matéria religiosa? Não, podemos dizer que é uma questão moral não necessariamente religiosa - basta estudar Kant, que defendia que "não mentir" é um imperativo categórico, Kant não apresentava uma lógica religiosa para defender sua teoria. A mentira é uma matéria política? Sim, a mentira pode desestabilizar a sociedade, a mentira tem efeitos sobre os meios de prova em um processo judicial.
     Ainda na mentira, se eu disser "você não deve mentir por isso ser pecado" e somente isso, eu estarei tendo que pressupor que a pessoa tenha uma crença que considere o aborto pecado. Se ela não tiver tal crença, pode simplesmente me ignorar, ou pode pensar que estou querendo impor a minha religião sobre ele, uma vez que não há argumentos fora o religioso de que ele não deve mentir. Se, contudo, eu disser que a mentira implica em um injustiça, pois nega a verdade a outra pessoa, ou que a mentira fere a dignidade humana, pois não considera que o alter deve receber a verdade, e sim a mentira; ou, ainda, se eu explicar que se "não mentir" fosse algo comum, isso destruiria a confiança e a vida em sociedade; em todos esses casos eu não envolvi argumento religioso, não se pode afirmar só por isso que eu estou querendo impor a minha religião sobre o outro.
     Assim, se eu quero discutir o aborto com não católicos, então eu não devo usar argumentos religiosos (eu sou católico), e é isso o que farei abaixo.

2 Homens podem opinar?

     Diz-se que homens não podem opinar sobre o aborto por não serem eles que abortam. Qualquer pessoa que busque a verdade não irá aceitar esse argumento. Indico o vídeo do Conde, que disponibilizei o link acima. Se esse argumento fosse permitido, então eu poderia dizer que as vítimas de estupro não podem opinar sobre estupro por não serem elas que estupram. Eu poderia usar outro exemplo, mas esse é mais marcante para quem defende o aborto.
     Ora, poderiam responder: as vítimas são pessoas envolvidas no estupro, então elas devem poder discutir. Muitas vezes dizem que o estuprador não deve ter o direito de se defender, qualquer modo de justificar seus atos é algo monstruoso.
     Do mesmo modo, então, para o aborto, quem deveria discutir o aborto seriam as crianças que serão abortadas, enquanto as mães que querem realizar o aborto estão tentando justificar o injustificável. Como as crianças que estão na barriga da mãe não podem argumentar por razões biológicas, e como estão em uma situação de extrema vulnerabilidade, devem ser maximamente protegidas pelo poder público.
     Dizer que um grupo não pode opinar, além de violar a liberdade de expressão, é se colocar em uma posição de superioridade intelectual, em que quem não está no mesmo nível deve ser ignorado. Há pessoas que gostam muito de falar de efetividade dos direitos. Para essas pessoas, fica dito que a liberdade de expressão só se torna efetiva quando quem fala é ouvido.
     Quem afirmar que homens não podem opinar sobre o aborto devem desprezar a capacidade humana de se colocar no lugar do outro, a empatia.  No entanto, desprezar a simpatia implica em também se eliminar da discussão qualquer mulher que não já tenha abortado ou prestes a abortar, pois as mulheres que não abortaram ou estiveram prestes a abortar não poderiam se colocar no lugar da mulher que já passou pela experiência. Isso sem considerar que trata-se não só de um caso que envolve a experiência, mas envolve a discussão sobre a vida de outra pessoa, sobre questões morais e de saúde pública - seria o mesmo que afirmar que médicos, por exemplo, não poderiam falar sobre sobrevivência na selva, já que nunca passaram pela experiência (exceto, obviamente, os médicos que já passaram pela experiência).

3 O feto deve ser protegido?

     Muitas das discussões sobre o aborto partem de uma posição de que o feto deve ser protegido ou de que o feto não deve ser protegido. Muitos dos conflitos passam por esse ponto como algo certo, sendo que a discussão desse ponto é fundamental.
     Quem argumenta que o feto deve ser protegido pode partir de duas justificativas (três, se considerar o utilitarismo): a) ou a potencialidade da vida humana deve ser protegida, o feto já possui essa potencialidade, daí sua proteção; b) o feto é uma pessoa, um ser humano, e isso implica que tem direitos naturais (ou direitos fundamentais, não convém diferenciar aqui. (vou discutir isso antes de tratar do direito ao próprio corpo).
     a) Nem mesmo seria preciso discutir se o feto é um ser vivo ou não, se é uma pessoa ou não. Como a vida é um dos mais importantes bens a ser tutelado (se não o mais importante), então deve ser protegida antes mesmo de surgir. Por exemplo, deve-se dar especial atenção às grávidas não somente por as mulheres nessa situação estarem mais vulneráveis, mas também por carregarem em si uma vida ou um potencial para a vida. Daí deve-se dar mais descanso, mais cuidado, menos irritação: não por a mulher não conseguir se recuperar a essas dores, mas para que o feto tenha um desenvolvimento saudável. Negar isso seria, em última análise, negar a "sacralidade" dos benefícios à gestante.
     b) Ainda mais forte será a proteção se o feto for de fato um ser humano (posição que será adotada no prosseguimento do texto). b1) A criança mesmo no ventre materno tem individualidade, seja genética, seja no próprio desenvolvimento físico e psicológico (há pesquisas que afirmam que influências externas no momento da gestação afetam comportamentos psicológicos da criança), o que aponta para um ser vivo. b2) Não há diferença substancial entre a criança que já nasceu e a criança que está na barriga da mãe, exceto por uma questão espacial, permitir o aborto em si seria permitir matar uma criança segundos antes de nascer, com 9 meses (o site do Padre Paulo Ricardo tem um relato pesado de alguém que aproveitava dessa diferença de estar dentro ou fora do útero para realizar práticas satânicas). Considerar que não há diferença entre a criança dentro e fora do útero implica em se admitir ou que a criança dentro do útero deve ser preservada, ou que a mãe pode matar o filho mesmo fora do útero (ver o vídeo o Conde citado acima, ele trata um pouco da questão). "Direito" de vida ou morte sobre os filhos, creio seja unânime, é uma prática homicida possivelmente eugênica. b3) Pode-se tentar determinar um momento entre haver vida ou não haver vida durante a gestação. A existência do sistema nervoso seria o critério? (Se sim, vale notar que isso deve ser definido por um exame clínico, e não com uma presunção de que após determinado tempo ele terá o sistema nervoso. O desenvolvimento de cada um é diferente, e um tipo de presunção que implique na morte de alguém que seria considerado vivo só se justifica - se é que se justifica - em situações extremas) Eu considero que esse não é um bom critério. Mesmo que se diga que a morte ocorre quando não há atividade cerebral, e que, portanto, a vida ocorre quando se inicia a atividade cerebral. Isso seria reduzir o ser humano a sua dimensão material ou bioquímica, desconsiderando aspectos que vou trazer no próximo ponto. b4) A potencialidade da vida está nos gametas, mas a vida humana se origina com a concepção. A partir daqui há vários argumentos. Um seria a alma; não é preciso considerar isso um argumento religioso, a existência de alma não é algo de uma religião ou outra, mas uma discussão que envolve a essência humana e a existência de uma realidade não material - pode ser uma discussão agnóstica, baseada em evidências e raciocínios filosóficos. Outro argumento pode ser a caracterização da vida humana a partir da identidade genética (que se consolida somente com a fecundação). Pode-se considerar que biologicamente a partir da concepção a estrutura formada já passa a ter um metabolismo próprio característico de um ser vivo - mesmo que dependente de nutrientes e outras substâncias, o metabolismo é da nova vida. Também pode-se considerar que a partir da concepção já há individualidade propriamente humana que permite a identidade como um ente e não como qualquer outro tendo, entre outras características, o fato de ter algo próprio, uma estrutura própria voltada para a autopreservação, para o crescimento, para a autodiferenciação em relação aos demais.
     A partir desse momento se parte da tese de que a vida humana se inicia a partir da concepção. (como curiosidade à discussão, a legislação brasileira protege o nascituro desde sua concepção. Independente de ser vivo ou uma potencialidade, a concepção dá início à tutela jurídica)

4 O argumento consequencialista

      Agora, adentrando no argumento consequencialista. Basicamente ele tentará pesar os prós e os contras para decidir se uma ação deve ser feita ou não, procurando reduzir a discussão a uma questão de trazer mais consequências positivas ou negativas.
      O ponto de vista meramente utilitário pode levar basicamente a duas conclusões relevantes: a) o aborto é negativo, pois reduzirá a felicidade do mundo e/ou aumentará o sofrimento; b) o aborto é positivo, pois aumentará a felicidade do mundo e/ou reduzirá o sofrimento;
     a) Aumento da felicidade pode dar-se pelo prazer de abortar ou de usar o feto para alguma coisa (ver o link do site do Padre Paulo Ricardo). A diminuição do sofrimento pode ser a redução do sofrimento da família ou o impedimento de que a própria criança sofra no futuro por conta das condições em que nascer.
     Esse raciocínio é extremamente preocupante. Creio que as feministas abortistas (perceba a ausência de vírgulas no adjetivo) achem também monstruoso sentir prazer em abortar, então não prosseguirei nesse ponto. O uso da criança para outros fins - médicos, satânicos, que seja - configura uma clara violação da dignidade da pessoa humana, que pode ser formulada inicialmente como nunca tratar outro ser humano como um meio, um instrumento, e sim como um fim em si mesmo (interessados, estudem Kant - não estou usando Kant para fortalecer minha posição, estou dando uma dica mesmo para quem se interessa). Se consideramos realmente que desde a concepção há vida humana, usá-la como meio é a instrumentalização do ser humano, sendo algo horrível (pela própria violação da dignidade humana) e implicando em consequências ainda piores (como a eugenia, pois se o ser humano é um meio, ele pode ser morto por uma causa, como a preservação de uma raça superior, seja essa raça artificial - ser humano 2.0 - ou natural - pureza étnica).
    Também fere a dignidade de um modo totalitário, de alguém que posiciona como se Deus fosse: essa pessoa será infeliz, portanto é melhor que morra/ não nasça. Isso fere também a própria liberdade humana de aceitar a dor e se dignificar no sofrimento, de encontrar razão mesmo nos desafios e na pobreza, seria partir de uma posição determinista que poderia argumentar que pobres são infelizes, portanto pobres devem abortar, e pobres deveriam ser mortos por serem infelizes, claramente um argumento monstruoso por se basear em uma materialismo reducionista.
     b) O argumento (até onde sei pouco usado) de que será bom para a mãe ter o filho pois isso lhe trará mais responsabilidade, ou lhe deixará mais feliz é também um atentado à dignidade humana. A criança estará sendo vista somente como um objeto, um brinquedo, destinado à satisfação da mãe. Abriria espaço para "e se a mãe se cansar, pode jogar fora", levando à hipótese "a)".

    Minhas criticas recaem sobretudo ao argumento consequencialista em si. Ele tem uma alta tendência a tratar seres humanos como objetos, violando a dignidade humana. Há aplicações relativamente importantes em alguns pontos políticos e vários pontos econômicos, mas na questão específica do aborto é muito complicado.
     (Há mais alguns aspectos consequencialistas que serão tratados no último tópico)

5 O argumento da autopropriedade

    Um argumento muito comum na atualidade é o de que a mulher pode fazer o que quiser com seu corpo. "Meu corpo, minhas regras". O Reinaldo Azevedo trata bem deste tema no link que citei acima.
     Quero iniciar com uma observação fortemente de caráter religioso, porém pertinente. O ser humano não é completamente dono de si mesmo. Primeiro, a vida é dele não como propriedade, mas como algo que lhe foi concedido. Segundo, o ser humano não é dono do próprio corpo, como diz a bíblia, não pode fazer um único fio de cabelo ficar branco ou escuro, ele ter limitações por leis naturais. Pela liberdade, ele pode tirar a própria vida ou arrancar o próprio braço, mas essa possibilidade não se confunde com propriedade: um exemplo simples: eu te empresto meu estojo. Eu ainda sou o dono, você é um possuidor. Você tem o poder para destruir o estojo, mas isso não significa que você é o dono do estojo, e sim que tem poder sobre ele. Qual a importância disso para discussão: Não é por a mulher poder fazer algo consigo e contra a criança em seu ventre que ela legitimamente tem o direito de fazê-lo. Argumentar em contrário do que digo implicaria em se dizer que o assassino pode matar por ele ter esse poder, o que se restringe à dimensão física e fática, e não à dimensão moral, cultural, política.
     Pois bem, concordo que a mulher tem liberdade sobre si mesma (o homem também sobre si mesmo). É natural do ser humano a possibilidade de se autodeterminar, de optar entre o bem e o mal (preferencialmente pelo bem), escolher meios e determinar fins. No entanto, também digo que um homicida ou um estuprador têm liberdade (exceto em casos graves e extremos). As leis, sejam humanas, sejam naturais, limitam o que o ser humano pode fazer. Não é por alguém ser livre para matar que ele deve fazê-lo ou não deve ser punido se o fizer ou que o homicídio será algo bom ou neutro. A liberdade, na vida social (não exclusivamente), deve ser vista como uma liberdade limitada, sendo a lei o separador entre o que se pode fazer ou não (pode não no sentido de ser possível, mas no sentido de ser lícito).
     A liberdade entra em um conflito (ou em um processo de adequação e delineamento) ao se confrontar com outros valores, como a vida, a propriedade ou a liberdade do outro. No caso, como admitimos que o feto é um ser humano, e, portanto, tem os direitos de um ser humano, é o conflito entre a liberdade da mãe com a vida da criança. Do conflito entre a vida do outro e a própria liberdade, costuma-se escolher a vida. Não pode ser por um capricho ou por comodidade que se pode sacrificar a vida de outra pessoa, ainda mais uma pessoa inocente e com uma ligação tão forte, que é a ligação entre mãe e filho. Se existir alguma circunstância que permita o aborto, será uma situação excepcional, extrema.
     Não vou discutir a/s exceção/ões, pois eu realmente não tenho opinião formada sobre isso.
     Caímos de volta na discussão do argumento consequencialista. Escolher abortar em regra implica na violação da dignidade da criança. É a escolha da mãe por uma vida mais prazerosa, é a escolha de um ditador sobre quem será feliz e, portanto, deve viver.

6 Mitos sobre a legalização do aborto

      Existe uma excelente palestra sobre mitos do aborto. São mitos estatísticos no caso, mas disponibilizo o link https://www.youtube.com/watch?v=UVG6gFN3Sdc, em que se trata de 5 mitos:

Mito 1: Mito sobre o número de abortos que acontecem.
Mito 2: Mito de que o número de abortos diminui com a legalização
Mito 3: Mito de que o Brasil tem maior número de abortos que países que o legalizaram
Mito 4: Mito de que o aborto está aumentando no Brasil
Mito 5: Mito de que o aborto diminui a mortalidade materna (na verdade não tem efeito)

Conclusão

     Não vou recapitular tudo, a conclusão é somente a de que o aborto é homicídio e deve ser proibido.
     Há muito mais o que ser dito, explorando outros pontos, outros argumentos, outros aspectos que são relevantes, porém não diretamente.


Queria colocar mais imagens, porém tem imagens muito tristes do aborto, e eu não quero impactar demais o leitor.
Volto a divulgar a página do blog no Facebook: https://www.facebook.com/Cop%C3%A1zio-de-Saber-1412921775615957/
Como o tema é polêmico, e minha abordagem se referiu a parte do que é levantado, talvez eu tenha que escrever mais... Minha intenção foi mais explicar como eu vejo o ponto em linhas gerais.

Tenham uma boa noite