Imagine que você, alguns amigos e algumas amigas, de várias idades, de várias condições econômicas e com vários contextos familiares e de trabalho, partiram para uma aventura: irão descer um rio, acampar na praia e depois voltar. Durante o trajeto, uma grande tempestade surge. Os ventos lançam o barco para a direita e para a esquerda com tamanha violência que temem naufragarem. Os raios caem, e os trovões e relâmpagos varrem qualquer esperança que de sobreviverem. As águas do rio se aumentaram com a tormenta que vocês perdem controle do barco, e ficam à merce da fortuna.
Amanhece, e vocês percebem que encalharam em uma praia. Um de seus amigos, mais experiente, diz que não conhece essa praia. Deve ser de uma das ilhas do arquipélago lá perto. Vocês testam a flutuabilidade do barco, e ele já não é mais capaz de navegar. A caixa que continha alimentos e bebidas foi perdida durante a tempestade. Vocês sabiam que não conseguiriam sobreviver todos. O resgate demoraria para saber que estariam perdidos, e talvez mais ainda demorasse para localizá-los.
Vocês poderiam aceitar que todos morressem sem que ninguém realizasse nenhum ato bárbaro. No entanto, conforme a morte inevitável se aproximava, vocês querem ter alguma chance de sobreviverem. Havia uma nascente na ilha, mas não havia alimentos. Todos tinham uma ideia do que seria proposto, embora ninguém tivesse coragem para verbalizá-lo.
Após um dia, com tanta fome e desespero, um dos colegas propõe o terrível plano: um de vocês morrerá para que os outros sobrevivam com sua carne. Mas como determinar quem vive e quem morre?
Talvez um dos métodos mais intuitivos seja aquele defendido por Dworkin: a sorte. Haveria um "jogo" em que todos tivessem a mesma chance de sobreviverem, como o lance de dados ou cara ou coroa. Há muitas críticas contra esse método. Pretendo aqui expressar algumas opções diversas e realizar algumas críticas.
Primeiro, vamos a outras opções;
1) Selecionar para sobreviverem aqueles que estão mais saudáveis, com menos ferimentos e fosse mais jovens. Eles têm mais chances de sobreviverem.
2) Mulheres e crianças deverão sobreviver.
3) Médicos, escotistas, exploradores e outras pessoas mais "úteis" nessa situação deveriam sobreviver, pois eles aumentariam as chances dos demais de sobreviverem.
4) Quem não tivesse mulher, filhos sobreviveria. Quem não tivesse que cuidar dos pais também sobreviveria. Quem vivesse só seria sacrificado.
5) Aqueles que ocupassem cargos importantes na política ou em empresas deveriam sobreviver, para não gerarem crises ou recessões para a sociedade em geral.
6) Os religiosos deveriam morrer, pois esse sacrifício poderia alegrar seus deuses. Eles não temiam a morte (e nem o após a morte), então deveriam ser sacrificados com menos dor para eles próprios.
Obs.: Não houve voluntários para o sacrifício
Penso que há as seguintes críticas ao método do sorteio:
a) O sorteio não seleciona as pessoas por um critério de utilidade. (pode ser: o mais útil para a família, o mais útil para a sociedade, o mais útil para os outros sobreviventes etc.)
b) É uma escolha irracional, incapaz de escolher acertadamente a melhor pessoa.
Pessoalmente, minha crítica está fora desta questão. Simplesmente acho que não se pode dispor assim da vida. A vida não é do indivíduo, mas de Deus. É um "crime moral" o suicídio. Assim, no jogo só se pode apostar aquilo que se pode ter, e a vida não se enquadra nesse gênero. Todavia, discutir essa questão implicaria em fugir demais do tema que me proponho. Não prosseguirei com esse posicionamento, mas deixarei aqui minha ressalva.
Enfim, aquelas foram as críticas que consegui pensar. Para expressar o que quero vou partir do pressuposto de que eu estou errado (no parágrafo acima), ou seja, que a vida pode ser disposta. Começarei com uma pergunta: uma vida é mais importante do que outra? Parece fazer sentido as opções alternativas acima inicialmente. No entanto, é importante retomar essa pergunta: É legítimo usar um método de seleção para vidas humanas?
Minha resposta: um idoso tem o mesmo direito de viver que uma criança, e um adulto saudável tem o mesmo direito que um doente. Mesmo que a morte inefável recaia sobre qualquer um, violando tão sagrado direito, isso prova tão somente que a vida é igual a todos, por seu fim levar a todos. "Ao fim do jogo, peão e rei vão para a mesma caixa." Enfim, não acho que a vida de um seja melhor que a vida de outro. Qualquer método de selecionar quem vive e quem morre é essencialmente injusto.
Talvez, conforme Rawls afirma, algo justo tem que passar por um "véu de ignorância". Ou seja, os critérios de justiça, de seleção etc. Devem ser escolhidos como se houvesse um véu de ignorância. A pessoa que irá estabelecer o critério não deve saber "a priori" se ela será ou não admitida. Quando um dos náufragos de nossa historinha diz "Acho que os médicos devem sobreviver, pois eles ajudam os outros", é possível e provável que ele tenha interesses por trás. Dificilmente alguém irá propor um critério que a exclua. Isso pode acontecer? Sim, pode. Mas creio ser improvável.
Difícil saber qual a melhor solução, e quando a situação já se torna nítida, os interesses por trás interferem o julgamento. Essa última parte não diz que um método é essencialmente injusto, apenas que tem altas chances de alguns serem.
O método de sorteio é aquele que trata as vidas como iguais, tanto antes quanto depois. Seria a única solução aceitável se considerarmos que as vidas humanas são iguais em respeito e dignidade, que é o que acredito (e considerando que é possível alguém dispor delas).
Tenham um bom dia!
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