sábado, 30 de janeiro de 2016

Análise de "os cegos e o elefante"

(mais um texto contra o relativismo)
    Existe uma história relativamente popular a qual eu transcrevo abaixo. O site de onde copiei diz que é a história verdadeira e completa.

 Era uma vez seis cegos à beira de uma estrada. Um dia, lá do fundo de sua escuridão, eles ouviram um alvoroço e perguntaram o que era.
     Era um elefante passando e a multidão tumultuada atrás dele Os cegos não sabiam o que era um elefante e quiseram conhecê-lo.
     Então o guia parou o animal e os cegos começaram a examiná-lo:
     Apalparam, apalparam...Terminado o exame, os cegos começaram a conversar:
— Puxa! Que animal esquisito! Parece uma coluna coberta de pêlos!
— Você está doido? Coluna que nada! Elefante é um enorme abano, isto sim!
— Qual abano, colega! Você parece cego! Elefante é uma espada que quase me feriu!
— Nada de espada e nem de abano, nem de coluna. Elefante é uma corda, eu até puxei.
— De jeito nenhum! Elefante é uma enorme serpente que se enrola.
— Mas quanta invencionice! Então eu não vi bem? Elefante é uma grande montanha que se mexe.
     E lá ficaram os seis cegos, à beira da estrada, discutindo partes do elefante. O tom da discussão foi crescendo, até que começaram a brigar, com tanta eficiência quanto quem não enxerga pode brigar, cada um querendo convencer os outros que sua percepção era a correta. Bem, um não participou da briga, porque estava imaginando se podia registrar os direitos da descoberta e calculando quanto podia ganhar com aquilo.
     A certa altura, um dos cegos levou uma pancada na cabeça, a lente dos seus óculos escuros se quebrou ferindo seu olho esquerdo e, por algum desses mistérios da vida, ele recuperou a visão daquele olho. E vendo, olhou, e olhando, viu o elefante, compreendendo imediatamente  tudo.
     Dirigiu-se então aos outros para explicar que estavam errados, ele estava vendo e sabia como era o elefante. Buscou as melhores palavras que pudessem descrever o que vira, mas eles não acreditaram, e  acabaram unidos para debochar e rir dele.

     Normalmente a história contada não tem o último cego, e termina com todos os cegos se desentendendo. A história termina com uma lição "de moral" que diz que todos os cegos têm razão e nenhum dos cegos tem razão. As pessoas não devem brigar por defenderem coisas diferentes ou terem pontos de vista diferentes.
     O problema de terminar aqui a interpretação do texto é o perigo do relativismo. Por exemplo, da lição se extrair que todos os times de futebol são bons em um aspecto, e não se pode dizer qual deles é melhor. O melhor é o melhor de cada um. Ou, em um relativismo que considero mais complicado, de que todas as religiões são "iguais", ou levando a um agnosticismo em que se afirma que Deus não pode ser compreendido. Ocorre que essa não é a lição da história. Na história (considerando a versão reduzida), os cegos expressam subjetivamente uma verdade parcial, ocorre, entretanto, que existe uma realidade objetiva - o elefante existe. Se o elefante existe (e ele existe), existe uma verdade. Se existe uma verdade, então é possível se aproximar dela e, dependendo, compreendê-la totalmente ou razoavelmente bem. Por exemplo, na história completa, o cego que passou a enxergar compreendeu essa verdade. Este homem não foi compreendido pelos cegos, ele ainda assim terá a verdade, enquanto os outros terão meia verdade.
     A história termina em uma história pessimista (ou mesmo realista) de que quem tem a verdade não consegue expressá-la (assim como o sábio na caverna dos prisioneiros de Platão), sendo ela, a verdade, tratada como igual entre a mentira. Isso é o risco do relativismo: tratar igualmente a verdade, a meia verdade e a mentira total.
     Se o conhecimento existe e é desejável, deve-se buscar obtê-lo. Para se aproximar do conhecimento, o debate e a troca de informações tendo por fim a verdade é um meio saudável. Na história reduzida, os cegos, se fossem homens virtuosos buscando a verdade, poderiam discutir entre si e mesmo tatear mais o elefante para se aproximarem mais da verdade. Considerando que o elefante já tivesse ido embora, se os cegos tivessem conseguido concluir que havia tateado lugares diferentes, poderiam deduzir que o elefante reunia as características que eles haviam sentido. Isso já seria uma avanço rumo à verdade. Nesse sentido seria saudável a discussão. De forma semelhante, se os cegos fossem virtuosos buscando a verdade, o cego que passou a enxergar na história completa poderia tê-los dissuadido a aceitar a verdade.
     A lição que considero mais interessante não é a de um relativismo, mas a de que as pessoas que buscam a verdade devem ter a virtude de admitirem seus erros e de perseverarem na busca da verdade, mesmo ela parecendo muito distante. O homem sábio deve ser prudente para conseguir discernir o certo do errado sem cair em um relativismo.
     Outras coisas interessantes podem ser aprendidas: o sábio nem sempre é ouvido, a transmissão da verdade exige a virtude do emissor (pois ele deve alcançar a verdade, o que pode ser simbolizado com sua capacidade de ver) e a virtude do receptor (a verdade não se impõe, há pessoas que fogem da verdade ou não se esforçam para buscá-la).



sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Duas formas de enxergar a tradição

     Desculpem pela demora entre as postagens, vou aproveitar também para desejar um bom ano novo.

     Neste tópico, vou tratar de duas formas de se enxergar a tradição, uma de forma positiva, outra de forma negativa. A forma positiva tem uma variante bastante aceita de uma análise prudente. Só para esclarecer, a tradição é um hábito passado de geração em geração, pode ser sobre uma forma de pensar, sobre uma forma de proceder, um simples costume.
      Em uma visão, por assim dizer, mais conservadora, considera que aquilo que é tradição é um fruto de tentativa e erro. As ações individuais ou sociais passam pelo teste do tempo, que começa a filtrar aquilo que não é eficiente. É, digamos, uma seleção natural de instituições e comportamentos. A partir desse ponto, existem duas abordagens mais conservadoras. A primeira excessivamente positiva neste aspecto, considera a tradição algo positivo nela mesma, que deve ser defendida porque funcionaram por gerações, e não se pode simplesmente mudá-las, o que causaria uma violação daquilo que é natural. Uma segunda abordagem, ainda conservadora, porém mais pautado na prudência, considera que qualquer mudança na tradição deve ser vista com cuidado, principalmente naquilo cuja estrutura e funcionamento seja mais abstrato, por exemplo é mais perigoso realizar mudanças no funcionamento da família do que no uso de uma erva na cura de uma ferida por a primeira ter um funcionamento mais profundo na sociedade. Por a racionalidade humana ser limitada e por envolver complexas relações intersubjetivas, o funcionamento de algumas estruturas tradicionais têm efeitos que o ser humano não consegue compreender completamente, daí a mudança deve ocorrer com muita cautela, mais se preocupando se as mudanças vão para a direção correta do que se avança rapidamente, mas a tradição não pode ser levada a um respeito extremo.
      Vou tentar explicar uma segunda linha. Ela se baseia na existência de uma dialética histórica, ou seja, em uma visão da história baseada no conflito de classes ou instituições. Existe um progresso baseado na superação da situação anterior, seja uma classe superando outra, seja um conjunto de instituições superando outro. Nesse sentido, o progresso deve se pautar na superação do paradigma existente, normalmente pela eliminação radical de heranças anteriores, ocorre muito frequentemente em movimentos a favor de minorias, que defendem a eliminação radical de estruturas opressoras. Basicamente, essa linha defende que a tradição é algo negativo. Uma segunda linha de justificação bastante comum é a de que o estado natural do homem é algo positivo, mas as instituições humanas são negativas (uma visão ainda mais radical do que a de Rousseau, de que o homem nasce livre, mas encontra grilhões por toda parte), então essas instituições devem ser eliminadas pela liberdade humana.

     Agora vou explicar um pouco mais minha visão predominante (predominante por ser possível haver uma mistura dessas perspectivas conforme a posição, embora seja bom haver uma coerência interna), a conservadora mais prudente. Uma questão seria como realizar a análise de mudanças nas instituições, já que elas são possíveis. Existem alguns aspectos que têm peso. A primeira é uma análise por princípios. Os princípios não devem ser vistos como finalidades, mas como fundamentos que devem ser seguidos. Os princípios bons geram frutos bons sobretudo a longo prazo. Algumas pessoas desta linha consideram que os efeitos imediatos devem ser considerados com um peso especial por terem um efeito direto, eu, pessoalmente, acho que efeitos negativos de curto prazo podem ser o preço para efeitos positivos a longo prazo, e não se pode esperar não haver efeitos negativos imediatos, pois essa espera pode ser para sempre, pode ser um preço necessário. Uma segunda forma de analisar é por exemplos concretos. Normalmente essa visão concorda com a liberdade de pessoas agirem de forma diferente do que é institucionalmente protegido ou regulado; assim que a ação das pessoas fora do paradigma se mostrem melhores ou tão bons socialmente pelo teste do tempo, isso serve de argumento para que seja aceito dentro do paradigma, ou modificando o próprio paradigma.
     Creio ser preciso haver um olhar desconfiado para grandes mudanças sociais, elas podem ocorrer, mas devem ser analisadas com cuidado, por envolver estruturas muito profundas na sociedade.