"- Eu responderei minha pergunta. O Partido procura o poder por amor ao poder. Não estamos interessados no bem-estar alheio; só estamos interessados no poder. Nem a riqueza, nem o luxo, nem em longa vida de prazeres: apenas no poder, poder puro. O que significa poder puro já compreenderás, daqui a pouco. Somos diferentes de todas as oligarquias do passado, porque sabemos o que estamos fazendo. Todas as outras, até mesmo as que se assemelham conosco, eram covardes e hipócritas. Os nazistas alemães e os comunistas russos muito se aproximaram de nós nos métodos, mas nunca tiveram a coragem de reconhecer os próprios motivos. Fingiam, talvez até acreditassem, ter tomado o poder sem querer, e por tempo limitado, e que bastava dobrar a esquina para entrar num paraíso onde os seres humanos seriam iguais e livres. Nós não somos assim. Sabemos que ninguém jamais toma o poder com a intenção de largá-lo. O poder não é um meio, é um fim em si. Não se estabelece uma ditadura com o fito de salvaguardar uma revolução; faz-se a revolução para estabelecer a ditadura. " (fala de O'Brien, em 1984, de George Orwell)
Essa passagem é muito interessante. Guardo algumas críticas a algumas passagens desta frase por achar que ela exagera em alguns pontos. Por que a usei para introduzir o artigo de hoje? Pois quero trazer a ideia de que o poder altamente centralizado tem alta probabilidade de se tornar um fim em si mesmo.
Tomemos por exemplo um resumo da história do nazismo: A Alemanha está quebrada e surge uma voz na multidão exaltando as qualidades do povo alemão. Esse líder prometeu combater o desemprego, enfrentar os exploradores, os agiotas. Hitler rapidamente conquistou as multidões com seus discursos. As pessoas queriam ouvir que a Alemanha não estava acabada, queriam imaginam que haveria um futuro melhor. Após uma tentativa de golpe e conspirações, Hitler sobe ao poder. Hitler inicia perseguições políticas contra os inimigos do regime, direciona as forças produtivas da Alemanha para a produção de armamentos, gerou uma forte noção de nacionalismo. Hitler invadiu a Polônia, continuou invadindo outros países, traiu a URSS, sua aliada. Quase conquistou a Europa, mas foi derrotado.
O que movia Hitler - e seus seguidores mais próximos - no começo? O desejo pelo poder puro? Ou o bem da nação alemã? Havia algum momento em que seus objetivos mudaram? Ou pensemos em outros ditadores: Mussolini, Lênin, Stálin, Mao, Pol Pot, Fidel Castro. Acaso algum deles sempre quis o poder pelo poder? Ou queriam o poder para algo melhor? Não acho que posso generalizar, e nem dizer com certeza qual era a intenção real.
Não estou interessado em líderes psicopatas que chegaram ao poder pelo poder. Que queriam o poder para exercer suas paixões doentias, para se sentirem superiores, para compensarem sua falta de autoestima. Consideremo que algum deles, no início, tinha o desejo do poder para tonar o mundo um lugar melhor.
Pois imaginemos que um sujeito queira um mundo melhor. Essa pessoa acredita que é possível moldar a sociedade para ser melhor. Um grande líder poderia estruturar a economia, as relações sociais, até mesmo a moral. O líder não pode ter dúvidas, precisa acreditar no que diz. Esse líder precisa ter uma crença de que conseguirá melhorar o mundo, ele não tem dúvidas disso, ele nem pensará na possibilidade de não conseguir. Pode haver algumas dificuldades, é verdade, mas se depender somente dele, ele conseguirá superar os obstáculos se tiver poder o suficiente. Esse é o perfil que imagino em um líder totalitário que queira o poder para um ideal.
Agora imaginem que essa pessoa consiga convencer as massas e consiga chegar ao poder (muitas vezes essa pessoa se sentirá legitimada a usar qualquer meios em nome desse mundo ideal). Uma vez no poder, essa pessoa começa a tomar as medidas que acha necessária. Todavia, há uma pedra no caminho - há opositores, há problemas climáticos, há novos problemas surgindo. Mas essa pessoa está agindo pelo bem, o que fazer com os opositores? Como superar os novos problemas que surgem? Se o líder estiver suficientemente comprometido com sua causa, ele poderá tentar calar a oposição. Se há problemas que o líder não está conseguindo resolver, a solução é simples: ele precisa de mais poder. Se tiver mais poder, ele será capaz de mudar a realidade.
Somando a necessidade de o povo acreditar no líder com a necessidade de obter o poder, é provável que o líder procure medidas de patriotismo, nacionalismo, culto ao líder. É preciso de grandes eventos, grandes manifestações. É preciso encontrar, e se não encontrar, criar, um inimigo interno ou externo para unificar o povo, para dar mais poder ao líder.
Mais problemas surgirão, a realidade é imperfeita, os meios que o líder acreditou serem apropriados podem não ser. A tensão de se manter no poder, de aplicar as medidas, de aceitar que não conseguiu mudar a realidade tal como quis faz com que o líder passe a querer mais e mais poder para seu fim. É preciso que o povo acredite mais - e se não consegue realizar suas medidas, é porque o povo não está confiando o suficiente nele. Em algum momento, o líder começará a apresentar problemas mentais (se já não tinha antes) - tudo partindo da premissa de que ele pode, se tiver o poder suficiente, mudar a realidade para sua utopia. Haverá pessoas próximas conspirando contra ele?Haverá grupos que se oponham a suas medidas?
Em algum momento ou o líder passará a querer o poder pelo poder, se esquecendo de seu ideal, ou se lembrará do ideal, mas apenas para legitimar sua busca por mais poder de tal modo que não haverá diferenças entre ele e alguém que busque o poder como um fim em si mesmo.
Haverá alguma pessoa que não esteja condenada a essa sequência de eventos? Tudo o que falei não é uma linha inevitável de causas e efeitos, mas creio que esses líderes querem mudar aspectos da sociedade que simplesmente não conseguem. Economicamente, algumas medidas simplesmente não atingem os resultados desejados - e podem causar exatamente os efeitos contrários. Muitas políticas visam fins impossíveis (como tornar o homem perfeito) ou simplesmente são inapropriadas para esses fins (como medidas de salário mínimo).
E se um líder chegar ao poder com a capacidade para ouvir os outros? Se for uma pessoa humilde, com conhecimento técnico? Aí penso o seguinte: Uma pessoa humilde, que ponha em discussão tudo o que acredita, não chegará ao poder - e se chegar não será um ditador. Essa pessoa não será capaz de tomar medidas radicais, e se as tomar, ou se corromperá como uma pessoa "normal" ou abandonará o poder (se tiver o poder para efetuar a mudança, poderia ser sucedido por um psicopata ou um fanático). Se for uma pessoa técnica, isso não a impedirá de errar (e de pensar, por ser detentora do conhecimento, que a culpa é dos outros, e não de si mesmo), e se deparará com limites para a possibilidade de mudar o mundo, o que o jogará para a mesma situação que antes.
Minha conclusão é a de que o poder totalitário tem tendência a se acumular mais e mais. Ou ele se extingue ou segue essa busca por mais poder. O remédio contra isso é justamente nos preocuparmos mais com o limite ao poder do que com quem o exerce.
Por favor, critiquem minhas opiniões, perguntem se não entenderam algo, procurem erros.
Tenham um bom dia!
Essa tese sobre o poder praticamente extraí em grande parte do livro "Guia politicamente incorreto da esquerda e do socialismo" com algumas modificações.
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