sexta-feira, 24 de julho de 2015

Dez princípios conservadores de Russel Kirk

     Russel Kirk, um grande pensador conservador norte americano procura explicar o que é um conservador. Para isso, traz vários princípios que o conservador segue. Por serem princípios, possuem um nível mais abstrato do que concreto, a um nível de pensamento anterior à ação (afinal princípio é começo, ponto de partida).
     O livro "A política da prudência" trazem esses princípios, embora o autor não se aprofunde tanto neles. Eu estou sem o livro nesse momento, então retirei do blog do Rodrigo Constantino. Quero deixar claro que peguei os princípios e vou explicar com minhas próprias palavras.

1) Existência de ordem moral duradoura

     Basicamente podemos dividir em duas afirmações:
     a) Conservador não é relativista - existem comportamentos melhores e piores, bons e maus, justos e injustos. Isso não depende apenas da cultura, mas de uma ordem imutável. Uma conduta boa é boa independente do lugar e do tempo. Isso não impede que a circunstância não seja levada em consideração, mas naquela circunstância sempre será errada. O relativismo sempre me lembra da tentação da serpente no paraíso segundo a bíblia - "sereis como deuses, conhecedores do bem e do mal", a tentação é a de que o ser humano poderia escolher e determinar o que é o bem e o mal. O conservador considera que o homem não tem esse poder; o bom não é o que se define como bom.
     b) Conservador não é materialista - cuidado aqui com a palavra "materialista". Quero dizer que existem valores que transcendem o arbítrio humano. Esses valores implicam na existência de um bem e um mal objetivo (e não subjetivo). O conservador não é necessariamente religioso, desde que encontre um fundamento para essa ordem moral - seja por uma derivação puramente racional, segundo uma filosofia kantiana, ou na existência de um ente inexplicável e incompreendido ou o que seja.


2) Valorização do costume, da continuidade, da convenção

     "O Estado é uma associação ... não somente entre vivos, mas também entre mortos e os que estão para nascer" (Edmund Burke)
     Os conservadores acreditam em uma união entre as gerações. Uma sociedade relaciona aqueles que viviam antes, que deram seus fundamentos, os que estão vivos e os que virão no futuro.
     Os conservadores também reconhecem uma sabedoria dos mais velhos, que adquiriram experiências na vida e tiveram muito tempo para estudar e compreender o mundo, tendo muitas vezes uma sabedoria prática que falta aos jovens.
     O desejo de manter uma herança, de dar continuidade a uma tradição muitas vezes mal compreendida não implica em um apego fanático ao velho. O que é herdado possui um sentido de continuidade, porém é preciso realizar as mudanças para repassar aos futuros herdeiros algo melhor. Essa mudança deve ser prudente, refletida, e não uma busca por originalidade e reconhecimento.

3) Princípio da consagração pelo uso (muito relacionado ao anterior)

     A sabedoria herdada é maior do que a sabedoria que será descoberta nessa geração. Ninguém inventa todo o conhecimento do nada, mas ele a ciência é edificada a partir de descobertas e teorias anteriores. Aqui, cabe uma analogia interessante: o cientista deve valorizar o que os que vieram antes descobriram, sistematizaram, realizaram; mas isso não significa que ele não deve procurar algo novo, mais conhecimento, e nem que ele deve acreditar piamente no passado, porém não pode ser prepotente (diria, tolo, ingênuo) a ponto de querer reinventar a roda, querer revisar tudo o que já foi descoberto, recriando tudo a partir do nada. Isso seria idiotice. Ele deve respeito aos antigos cientistas, pois estará construindo o saber em cima de um edifício que já se iniciou.
     Obviamente, existem tradições erradas, assim como há teorias erradas e experimentos realizados sem controle, mas isso não significa que tudo o que é do passado deve ser desprezado.

4) Princípio da prudência

     Problemas reais são complexos, normalmente não são resolvidos bem por soluções simples. É preciso se preocupar mais se a direção está certa do que se você está se movendo rapidamente. A prudência é a virtude de empregar os meios mais apropriados para os fins desejados. Isso dificilmente pode ser feito no calor do momento, ou sem reflexão. É pela prudência que indícios implicam em uma observação mais atenta.

5) Princípio da variedade

     Não se pode lutar contra a variedade. A busca por excessiva igualdade é um caminho para ditaduras, para mais desigualdade ou para um fracasso. Os seres humanos nascem diferentes, e querer eliminá-la é lutar contra a própria natureza humana. Diferença, variedade, não implica em superioridade, vale lembrar. Homens e mulheres são diferentes, adultos e crianças, negros e brancos, engenheiros e artistas. Isso não significa que um deles é melhor do que o outro. Reconhecer a diferença pode levar a generalizações sobre pessoas de outros grupos, porém esse é um risco que se deve assumir e combater, para que não se crie uma cruzada que vise eliminar qualquer diferença.

6) Princípio da imperfectibilidade

    Na visão cristã, é claramente resumida pela ideia do pecado original. O conservador não pensa em um "bom selvagem" rousseauniano, mas sim que o ser humano é miserável, imperfeito, pecador, "com mais crimes na consciência do que coragem para admiti-los, pensamentos para concebê-los e tempo para executá-los" (Hamlet). Pode até ser que pensem que o homem não nasce mau; porém o fato é que o homem nasce imperfeito, frágil, tolo, ambicioso, egoísta.
    Nesse contexto, o conservador tem medo que o outro pode fazer. Ele mesmo tenta buscar o bem e evitar o mal (uma vez que bem e mal existem), mas sabe que é falho, e sabe que muitas vezes os outros geram problemas para ele. Daí, por exemplo, a defesa do armamento, o conservador sabe que a polícia não é onipresente, que o criminoso pode estar armado. Ele não pode delegar sua proteção. Ele defende a possibilidade da arma muitas vezes esperando nunca ter que usá-la, sabendo a arma lhe dará mais responsabilidades do que direitos.
     Porém, da miséria humana, se percebe que um deve ajudar ao outro, pois se a humanidade é um barco furado, então todos os homens estão no mesmo barco; e ajudar a tampar (imperfeitamente) o furo ou a retirar água com baldes é antes um dever dos tribulantes.

7) Liberdade e propriedade estão intimamente ligadas.

    A propriedade é entendida como algo próprio de alguém. Se a propriedade é algo próprio de um sujeito, ela não é algo próprio da coletividade ou do outro. Aqui o conservador observa a propriedade como aquilo que separa o público do privado; sua casa é o seu castelo em que ele é o rei. Sua liberdade em relação ao que lhe é próprio implica na responsabilidade. Deixar de cuidar pode implicar na perda do parcial ou total do bem. Ao se ter um bem de consumo, se vive o dilema de consumir agora ou consumir depois, cada escolha com uma responsabilidade. Ter uma bola implica na escolha de emprestá-la ou não quanto outro lhe pedir. Pela propriedade vem a liberdade e a responsabilidade.
     A propriedade implica em algum domínio do mundo para a própria existência, uma segurança frente à insegurança. Quando alguns santos ou ordens religiosas se desligam da propriedade, estão renunciando ao seu individualismo (não à individualidade) para se porem completamente a serviço de Deus. Não é um ideal que deve ser imposto, mas é uma vocação de algumas pessoas. A ideia de renúncia não é vista como um coletivismo imposto, mas em um chamado individual. Ela não nega a relação entre liberdade e propriedade tal como entendemos aqui (pode-se dizer que eles estão mais livres, pois estão mais inteiramente entregues à própria vontade, mas isso diverge um pouco da noção política de liberdade).
     Proibir a propriedade privada implicará na imposição de um regime em que todos serão escravos, pois ninguém poderá garantir o próprio sustento. Implicará na perda da distinção entre público e privado, tudo será público, e quanto tudo é público, não resta nada ao indivíduo.

8) É preferível comunidades voluntárias do que um comunitarismo involuntário

"Depois da liberdade de agir sozinho, a mais natural ao homem é a de combinar seus esforços com os esforços de seus semelhantes e agir em comum. Por isso, o direito de associação parece-me tão inalienável pela sua natureza, quanto a liberdade individual. Um legislador não poderia desejar reduzi-lo sem atacar a própria sociedade" (Tocqueville)
    Eu iniciaria a explicação pelo princípio da subsidiariedade: quando surge um problema, se tenta resolvê-lo envolvendo menos pessoas. Envolver mais pessoas que o necessário é gerar mais problema. Se um problema é familiar, não se deve pensar em torná-lo regional, por exemplo. Nessa situação surgem comunidades voluntárias, como associações, grupos, clubes. Um grupo de pessoas se reúne para fazer alguma coisa. Isso ocorre voluntariamente, e não por imposição. Essas pessoas livremente podem construir uma quadra de futebol, ou abrir um comércio ou reunir livros para uma biblioteca.
     O problema surge quando essa realidade benéfica, de pessoas se reunindo e se ajudando, se torna algo imposto, involuntário; quando algum ser que se diz iluminado resolve impor suas ideias; quando o poder de tudo fazer, o qual não seria confiado nem ao melhor amigo, é atribuído à coletividade (citando indiretamente Tocqueville). O comunitarismo, que deixa de ver indivíduos como pessoas é maléfico, destrói a liberdade (aqui, novamente, rompe a distinção entre público e privado) em um regime de escravidão.

9) É preciso de limites prudentes para o poder e para as paixões humanas

"E somente em Deus vejo Quem poderia sem perigo ser todo poderoso, porque a sua sabedoria e a sua justiça são sempre iguais ao seu poder. [...?] Não existe, pois, sobre a terra, autoridade tão respeitável em si mesma ou revestida de tão sagrado direito que eu desejaria agir sem controle e dominar sem obstáculos." (Toqueville)
      Lembrando que a natureza humana é corrompida, o poder permite ao ser humano fazer coisas erradas sem sofrer diretamente as consequências dos seus atos. Essa aparente violação da justiça (que é dar a cada um o que é seu) pode, e normalmente o faz, fazer o ser humano perder a distinção entre o que deseja e o que é o certo. Daí, recordo da feliz afirmação de Lord Byron: "O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente". Dentro dos homens existe ou facilmente se encontra um princípio do pecado, fundado mesmo que sobre bases boas - em um exemplo simples, é bom o desejo de comer, mas é mau o desejo de comer desenfreadamente. O modo que os conservadores muitas vezes pensam sobre como impedi-lo de destruir ao indivíduo e, principalmente, à sociedade é pela imposição de limites prudentes, como a de um pai que proíbe o filho de atravessar a rua sozinho (pode-se dizer que o governo não deve proteger o indivíduo de si mesmo, mas sim de outros; mas a regra é a mesma, no sentido de que ela continua válida, o que muda é se ela pode ser imposta pelo governo).
     Os conservadores veem uma perda da humanidade se tiver excesso de poder ou excesso de libertinagem (aqui, entendido como uma "liberdade" que torna a pessoa escrava de si mesma). Seguir somente as próprias paixões ou receber mais poder do que é capaz de controlar torna o homem algo que não é humano. ("Atrevo-me a fazer tudo o que é próprio de um homem; quem faz mais, homem não é" (Macbeth); "Os sentimentos, donos e senhores da razão, levam-nos de um lado para o outro, conforme gostam ou detestam" (O mercador de Veneza)), novamente há aqui o princípio da prudência - deve-se ser prudente para determinar esse limite.
   
10) Oposição ao culto pelo progresso

     Há ideias de que é preciso realizar a mudança. Mudança pela mudança; pela ação, pela atividade, pelo movimento se irá a um mundo melhor. Basicamente o que minha mãe dizia ao definir um adolescente: "Eu protesto, não sei por o que protesto, mas eu protesto!". Penso que essas pessoas ou estão movidas por uma paixão cega por ver ação em um desejo suicida ou pensam que algum espírito do tempo irá guiar a sociedade para um mundo melhor pela mudança, que não precisa ser refletida. Seja qual for a motivação, o conservador teme o progresso não calculado, as mudanças que podem levar ao céu ou ao inferno (e pela natureza humana, provavelmente para o inferno).
     Imagine o seguinte: chacoalhar uma caixa irá organizar ou desorganizar o conteúdo? Os conservadores tendem a procurar soluções que não destruam o "status quo", levando a uma situação não imaginada. Um dos grandes méritos dos ingleses foi ter realizado "revoluções" sem a violência de uma revolução francesa. Movimentos revolucionários se preocupam mais com como fazer do que o que se resultará daquilo.
    Russel Kirk ilustra bem o que pensa ser um conservador quanto a essa oposição ao progresso ou a mudanças imprudentes. Conta que uma pessoa disse (não sei se a ele ou a outra pessoa) algo como "o relógio não anda para trás", não adianta insistir em um mundo bom que já passou. O conservador lhe respondeu calmamente "decerto, e nem se pode adiantá-lo".


     Penso que uma forma de se identificar um bom conservador na política seja perguntar-lhe "Se você fizer as mudanças a que se propõe, o que vai fazer da vida? Em que vai trabalhar? Como vai aproveitar seu tempo? Onde vai morar?" E se responder que a política é uma luta constante, "E se chegar no momento em que se tem que passar o bastão?". Se ele conseguir responder satisfatoriamente essas perguntas, é por que compreende que a melhor vida é uma vida simples, a política é um mal, e não um objetivo de vida.

Tenham um bom dia!

domingo, 5 de julho de 2015

Reflexão com o meu cachorro: negação de si mesmo

    Estava hoje a dar um pão para o meu cachorro Toddy. É uma boa oportunidade para ensinar truques para ele; ultimamente, para revisar aqueles que eu já ensinei - infelizmente, ele já está com alguns problemas de saúde e, talvez, ficando um pouco velhinho, então os mais complexos ele demora um pouco para executar e já não tem energia para pular de um lado para o outro de um bastão horizontal...
     Um dos truques que meus pais acham muito legal é o "fica", com lógica parecida com o "não". Eu faço ele sentar, mostro o pão e digo "não", de modo firme e, se preciso digo outra vez. Depois eu posso deixar o pão no chão, posso jogar para um lado, posso deixar do lado dele e ele não come. Fica na posição sentado; e nem olha para o pão. No "fica", ele fica sentado enquanto eu ando de um lugar para o outro da garagem e ele não pode se mexer. Alguns poderiam dizer que estou tratando o Toddy como um... Meio ou algo assim; pois eu faria ele passar vontade até permitir que ele coma o pão.
     Primeiramente, obediência não significa que o "superior" desprestigie ou objetifique o subordinado, o que há é uma divisão dos papéis tendo em vista, normalmente, a assimetria de informações - não é possível que todos façam/saibam tudo. Um exemplo bastante simples que indica que obediência não necessariamente implica em subjugação, em opressão, é o do paciente que obedece às orientações do médico mesmo que muitas vezes não entenda todo o processo biológico e químico envolvido. Obediência significa saber escutar, em um sentido mais literal. Os filhos obedecem os pais por reconhecerem que eles têm mais experiência e querem o melhor para os filhos (há leis naturais envolvidas e em um momento os filhos se tornam independentes, mas não vou aprofundar isso); o empregado obedece o patrão por este estar encarregado de um cargo de gerência, de planejamento do todo, enquanto o empregado executa uma tarefa específica.
     Em posições em que há obediência, pode-se dizer sem entrar em exceções que o bom subordinado é aquele que ouve o que diz o seu chefe, que procura executar da melhor maneira, que tenta entender aquilo que o chefe quer, embora nem sempre diga. No entanto, ao se lidar com seres humanos, se lida com sujeitos livres, capazes de não agir por mera preguiça, por não fazer por pura maldade, mas também por agir apesar da preguiça e fazer apesar de beneficiar a alguém a quem não se gosta. Ou seja, os homens são pessoas que possuem desejos próprios, não são computadores que simplesmente executam as atividades se assim lhes permitir o engenho e a arte.
     Os seres humanos também não se limitam a obedecer a pessoas, mas a fins ou valores. A relação não é a mesma, é uma obediência mais metafórica: uma pessoa que valoriza sua saúde irá obedecer a regras que lhe deem saúde ou a mantenham; uma pessoa que valoriza a família irá agir de modo a atender aos deveres familiares, tentando executar ao máximo sua função compreendendo os anseios desse grupo de pessoas. Observe que um bom pai de família irá agir como se se sujeitasse aos deveres familiares.
     O que isso tem a ver com o meu cachorro? Quando ele vive o dilema de (tentar) comer o pão ou não, ele está vivendo uma luta entre a obediência e a satisfação imediata de seus próprios prazeres. No fundo, isso é um fortalecimento de si mesmo. No caso dos seres humanos, ao servirem a alguém ou a algo, eles costumam viver o mesmo dilema: eu ou o outro, eu ou minha família, eu ou a sociedade. Eu, pessoalmente, acordo pensando se devo continuar um minuto na cama ou se devo levantar; e muitas vezes vou dormir apesar de querer fazer outra coisa (para que eu durma bem e possa fazer outra coisa em horário mais propício). O dia inteiro passo nessa briga comigo mesmo. Nesse dilema entre pegar o pão ou esperar que me seja permitido fazê-lo.
     Há pesquisas e experiências apontando que o ser humano tem mais ou menos uma quota de capacidade de lutar consigo mesmo. Imaginem os jogadores de RPG uma barrinha de SP (ou MP ou mana) que vai se consumindo conforme se luta contra algo; imagine que seja uma barrinha que se regenera lentamente durante o dia e se recupera totalmente enquanto dorme. Há quem diga que deve-se lutar contra si mesmo de modo a tornar eficiente esse consumo de fortaleza, que se deve permitir alguns prazeres para se poder efetuar sacrifícios maiores. De fato, o estresse com o estudo em época de provas, por exemplo, consume uma quantidade anormal desse atributo e faz com que o estudante queira descontar em comida, para citar um exemplo.
    No entanto, o que defendo aqui é que essa barrinha de fortaleza pode ser treinada. Podemos nos treinar a negarmos a nossos prazeres imediatos tendo em vista nosso fortalecimento como pessoas. Treinar o autocontrole. E esse treinamento dá-se mesmo com pequenas coisas, como recusar comer um chocolate após o almoço (ou aguardar a ordem para comer o pão). É pela ação de negar a si mesmo que se pode buscar algo maior; e nesse sentido a luta começa dentro de nós, pois quem não pode se autocontrolar dificilmente poderá controlar uma grande nação de modo apropriado.