segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

PM, proteção do cidadão ou do Estado?

     Estava lendo a seguinte entrevista:  Wagner Moura: “A PM é treinada para proteger o Estado, não o cidadão”. Vou fazer meu comentários, acho que tem bastante coisa para falar.

     Primeiro, evitando mal entendidos, qualquer defesa que eu faça da Polícia Militar não implica em aprovar todas as condutas que ela realize como instituição como que os policiais realizem no posto de policiais ou que possam realizar por serem policiais. Não estou aqui defendendo invasões a propriedade sem mandato, violência desnecessária e outros atos.

     Gostaria de discordar da afirmação do título inicialmente. A PM tem a função de garantir a segurança pública (melhor do que a expressão "proteger o Estado"). Quanto à alegação de "proteger o Estado", eu vejo que há uma pluralidade de significados. O que é "proteger o Estado"? Há "inimigos do Estado" (termo que tirei do próprio texto) que qualquer um concordaria: terroristas, assassinos, ladrões (o que, lembrando do que disse acima, não significa que se possa fazer qualquer coisa contra eles). O entrevistado apresenta dois inimigos como exemplos: manifestantes e moradores de favelas.
      Por que manifestantes? Por eles quererem mudanças ou se posicionarem contra uma política existente, de modo a fazer o poder público agir de determinado modo? Se qualquer manifestante for considerado "inimigo do Estado", vivemos em uma ditadura. Ocorre que não é qualquer manifestante. Tomemos por exemplo as manifestações organizadas pelo Movimento Brasil Livre, em que a ação da polícia foi praticamente inexistente no sentido de reprimir a manifestação. A PM só deve (pode haver abusos, mas estou tratando do dever inicialmente) agir caso a manifestação ameace a segurança pública: quando começa a haver violência contra pessoas ou coisas, quando a manifestação ameça algum tipo de dano, quando a manifestação avança para além dos limites previstos de modo a ir para locais onde possa haver risco para terceiros. Temos a visão de que esse pressuposto é razoavelmente cumprido. A mídia divulga muitas vezes informações que mostram uma PM violenta, sendo que muitas vezes há omissão de informação relevante, sendo que tal informação aponta para uma ação da PM legítima ou até certo ponto compreensível. Para uma análise aprofundada, é preciso procurar informações sobre as manifestações, as quais eu não procurei para esta postagem; porém pelo estudo que fiz anteriormente posso afirmar isso.
     Moradores de favelas. Quanto a eles, não tenho informações suficientes para me posicionar, mas reitero que não concordo com as medidas autoritárias que ocorram em maior ou menor medida nesses casos. No entanto, percebam um raciocínio falacioso utilizado. O entrevistado considera que os moradores de favelas são "inimigos do Estado" toda vez em que um deles tem sua casa invadida ou é vítima de tortura, abuso e desrespeito. Qual é a falácia? Ele tomou a parte pelo todo. Vou fazer o raciocínio de forma clara:
  i) Alguns moradores de favelas são desrespeitados, torturados, sofrem abuso ou tem sua casa invadida pela PM.
  ii) (pressuposto) quem tem sua casa invadida, é desrespeitado, torturado, sofre abuso pela PM é considerado inimigo pelo estado.
  iii) Os moradores de favela são considerados inimigos pelo estado.
     Notem que eu propositalmente omiti na conclusão (iii) uma palavra que indique totalidade ("todo" os moradores) ou parcialidade ("alguns" moradores). O raciocínio correto logicamente seria que se alguns moradores sofrem esse arbítrio, então alguns moradores (só as vítimas) são considerados inimigos do estado, e não todos. As afirmações não comportar na conclusão a totalidade do grupo dos moradores de favelas. O ponto em que na realidade essa generalização é possível ser feita não é do meu conhecimento, porém é preciso compreender que essa generalização tem um germe de erro de raciocínio.

     Voltando à noção de que a PM tem a função de garantir a segurança pública, qual o problema do seu armamento. O Brasil é um país com uma taxa enorme de homicídios, e não é por culpa da PM. Muitas vezes os bandidos têm armas mais poderosas do que a PM (pois a própria PM tem seu armamento bastante controlado). Obviamente a política do desarmamento não funcionou para criminosos. Tendo bandidos armados, é preciso que quem vá se defender ou defender os outros esteja armado para garantir no mínimo uma paridade de armas. Retirar as armas da polícia nessa situação de homicídios enorme é querer ou aceitar a morte dos policiais e dos cidadãos de bem. Uma lógica de que a polícia com armas é violenta, então aumenta a reação dos criminosos não faz sentido. Bandidos comuns iriam ser desencorajados por uma polícia eficiente (há vários fatores de eficiência, porém parar um criminoso com arma letal dificilmente será eficiente sem outra arma letal igual ou superior pelo policial). Quando há uma facção criminosa, o armamento também não faz sentido (ao menos que se queira paz com os criminosos em que eles cometem crimes e o estado assiste), pois, embora haja risco de represálias, o desarmamento da PM é muito pior, pois justamente nesse caso que a PM tem maior papel. O grupo criminoso claramente é uma ameaça à segurança pública, enquanto um criminoso sozinho é primeiramente uma ameaça à segurança privada, e depois talvez passe a uma ameaça pública. Desarmar a polícia possibilitará que o grupo criminoso aja sem obstáculo.

      Segurança pública x segurança privada: se a polícia é responsável pela segurança pública, quem é responsável pela segurança privada. Podemos pensar em agentes de segurança particulares, contratados. No entanto, também podemos pensar (o que pelo princípio da subsidiariedade deveria ser inclusive algo anterior) no cidadão protegendo a si mesmo e aos seus iguais. Existem modos de prevenir uma ação violenta (dizendo para pessoas não andarem sozinhas no meio da noite, sabendo que isso é ocasião para roubos; e dizendo para mulheres não saírem com roupa curta sozinhas à noite em locais conhecidos por estupros - ok, eu provoquei, mas deem uma lida neste post meu). No entanto, é possível também observar que o cidadão pode reagir no caso de um criminoso. Por mais que exista campanhas (muitas vezes infundadas, ou melhor, fundadas em mitos, o que é a mesma coisa) para não reagir, isso deve ser uma escolha de cada um. Se você percebe que o bandido não está armado de verdade nem tem comparsas e você tem uma faca, por que não reagir se você já treinou com facas antes? Citei um exemplo simples, mas essa escolha entre reagir ou não reagir é uma escolha que deve ser feita pelo cidadão, em suas condições particulares de equipamentos e treinamento, e não uma imposição governamental para que todos se comportem como covardes. Como citei antes, é preciso ter em mente a paridade de armas. O bandido já tem o fator surpresa e tem mais chances de conseguir se armar do que um cidadão honesto, então a possibilidade (não imposição) de quem quer se armar deve ser permitida para garantir no mínimo um equipamento que equipare vítima e agressor.
     Obs.: Fiz aqui uma defesa principiológica da possibilidade do armamento. Existem defesas consequencialistas que demonstram que o desarmamento aumenta os crimes violentos. Para mais informações leiam o livro "Preconceito contra armas" de John Lott ou, o que é mais acessível, vídeos do Bene Barbosa.

Extra: conservadorismo.
     Durante a entrevista, o entrevistador faz perguntas que associa o conservadorismo com a intolerância (há outras associações, porém menos explícitas). Ok, como entrevistador você pode tentar fazer o entrevistado se sentir à vontade e tudo mais. Mas o que acontece de fato? O conservador é intolerante por defender a igualdade perante a lei? Racismo existe na direita e na esquerda. Há diversos casos de líderes ou pessoas da esquerda que expressam posições racistas. Intolerância contra homossexuais também. Ocorre que na maioria dos casos de envolvimento político os homossexuais são de esquerda, daí não se atacam, porém há intolerância da esquerda contra homossexuais de direita. Preconceito religioso? Esquerdista que prega um estado ateu (mesmo que com o rótulo de "estado laico") é mais intolerante do que os católicos que se acovardaram de expressar  seus valores religiosos. Esse não é o tópico aqui, e não vou recriminar ninguém por expressar-se sobre este tópico, porém não gerar muita polêmica, a esquerda não é tão bonzinha quanto pintam.