Dizem que o terreno tem um papel social. Quando está ocioso não está cumprindo esse papel. Não gera emprego, não gera produção, não gera riqueza. Tudo bem que paga impostos, mas a função da propriedade é mais do que simplesmente pagar impostos. O terreno ocioso deverá ser desapropriado e dado a uma pessoa pobre sem emprego. De preferência, o ex-proprietário não deve receber nada, para que não torne o processo muito custoso para o governo, o que permite ao mesmo realizar uma ampla reforma agrária. Assim, o maior gasto do governo será com capital físico, como tratores, sementes, enxadas, para auxiliar o novo proprietário.
Ok, vamos supor que isso faça sentido. Resumindo, o argumento é que uma propriedade ociosa pode ser desapropriada para que uma pessoa pobre sem emprego possa recebê-la e trabalhar. Vamos expandir um pouquinho esse argumento:
Lá em casa temos no guarda-roupa algumas blusas velhas que deixamos de lado quando compramos blusas novas. (costumamos doar algumas, mas é sempre bom ter algumas de reserva). Creio ser de conhecimento geral que há muitas pessoas pelo Brasil passando frio. É legítimo o governo expropriar-nos de nossos agasalhos contra nossa vontade? Seja pagando nada, seja pagando quanto ele acha que vale? Me parece que não, mesmo que não a usemos. Se você, leitor/a, achar que sim, poste nos comentários.
Tudo bem, vamos para outro caso. Ainda em casa, temos algumas facas de cozinha. Tem uma ou outra que a gente nem usa pois está sem fio. O governo poderia desapropriar essa faca para dá-la para um trabalhador que iria usá-la (digamos um cozinheiro de escola pública) de forma legítima? Também creio que não, mesmo que não usemos a faca e nem tenhamos expectativa de usá-la.
Pode argumentar que são bens de menor valor, o governo tem coisas mais caras para desapropriar.
Grande parte da população guarda um pouco do dinheiro nos bancos. É mais seguro do que guardar em casa, rende alguns juros e nós podemos usar cartões, o que diminui nossas perdas se tivermos a carteira roubada. Acontece que algumas pessoas acabam guardando uma quantia considerável no banco para o caso de alguma necessidade, caso surja alguma possibilidade de investimento etc. O governo pode tirar nosso dinheiro de forma legítima? Algumas pessoas podem se lembrar de um fato histórico recente em que ocorreu isso (pesquise no Google se quiser saber mais). Será legítima? Creio que não. Mesmo que nós não estejamos usando esse dinheiro, mesmo que não tenhamos a expectativa de usá-los imediatamente, mesmo que o dinheiro possa ajudar muitas pessoas. Você pode dizer que nós não estamos investindo o dinheiro, mas o banco está. O dinheiro não está parado. Mas e se eu não confiar nos bancos devido às crises que vêm ocorrendo e resolver esconder debaixo de meu colchão? (é mais macio, para mim é mais seguro, e estou sempre perto vigiando). Nessa situação posso ter meu dinheiro expropriado legitimamente? Creio que não.
O mesmo se aplica para livros que as pessoas leem uma vez e deixam guardado na biblioteca de casa, para cadernos que tiveram só as primeiras páginas usadas, para sapatos, carros de um colecionador etc.
Um argumento que é usado em uma situação X deveria ser usado em uma situação análoga Y. Se não puder, é um caso de "ad hoc", é um argumento que o enunciador usou só para essa situação, e não se aplica para as demais. Dizemos que é tipo de falácia, é um argumento de mentirinha.
Vamos para outro argumento? Temos o dever moral de ajudar os pobres.
Tudo bem, temos esse dever moral. Mas significa que somos forçados a fazê-lo? O governo pode nos obrigar a agir em benefício do próximo? O governo pode nos condenar por sermos cruéis, enganadores e caluniadores. Mas será que pode nos culpar por não ajudar os pobres? Já não basta pagar impostos? E outra, se você acha que devemos ajudar os pobres, por que não eliminar o desperdício em vez de roubar dos ricos? ("ad hoc"?)Grande parte da comida do Brasil vai para o lixo. http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2013/8/26/no-brasil-do-desperdicio-comida-vai-parar-no-lixo
Não é melhor concentrar os esforços em otimizar a distribuição de alimentos? Sei lá, permitir que o as prefeituras comprem comidas que seriam descartadas parece-me melhor do que desapropriar um terreno de um investidor.
Não é para dar comida aos pobres, mas ensiná-los a trabalhar?
Todas as pessoas devem ter o mínimo para viverem?
Pelo menos, o terreno ocioso tem uma função: o dono paga impostos para o governo desperdiçar.
Concluindo, tem muitos argumentos "ad hoc" e muitos argumentos cuja conclusão não segue a premissa ("non sequitur"). E vale dizer que o investidor tem um papel social em seu processo: Imagine o primeiro proprietário, ele precisa de dinheiro imediatamente para alguma coisa (viajar, comprar um carro ou uma casa para o filho que está entrando na faculdade, saldar dívidas etc.). Ele sabe que o terreno vai ser valorizado, mas ele precisa do dinheiro AGORA. Vem um investidor e se propõe a comprar o terreno, já que o investidor pode esperar sem pressa até o melhor momento para vender. O primeiro proprietário resolve vender e todos saem felizes. Pelo menos até o governo frustrar a expectativa do novo proprietário.
Só para não dizerem que defendo totalmente a propriedade, eu penso que a desapropriação pode ocorrer quando a propriedade está sendo sucateada, sendo local de proliferação de mosquitos e outros animais daninhos. Nesse caso oferece risco para o vizinho. Aí se pode pensar em desapropriação (após algumas notificações e multas). Ah, posso outro dia pensar no caso de o proprietário não pagar os impostos. Mas fica para outro dia.
Críticas nos comentários. (ainda estou construindo meu pensamento sobre o tema, pode ser que tenha situações em que desapropriar seja bom, posso ter emitido algum pensamento equivocado, posso simplesmente ter esquecido de algum fato importantíssimo. Discutir faz bem para as ideias)
Tenham um bom dia!