Dados:
O Centro Acadêmico (CA) e possivelmente outros grupos estudantis da universidade organizaram um evento a favor das cotas na universidade. Ao lado está uma cópia da parte final da descrição do evento.
Houve um processo deliberatório do qual não houve ampla divulgação. Eu mesmo não soube que ia ter assembleia para a discussão do tema e, ao que parece, foi realizado em horário em que algumas pessoas tinham estágio. Não estou aqui responsabilizando ninguém e nem pretendo neste ponto criticar a legitimidade da assembleia. Não sei como ocorreu, mas só posso dizer que eu não fui informado.
Após a deliberação dos alunos pela adesão, o CA enviou um pedido ao diretor para que a possibilidade da organização do evento em horário de aula. Desconheço os termos exatos do documento, mas ele foi entregue e, aparentemente, aceito.
Os alunos não foram informados se haveria aula hoje, dia em que ocorreu a paralisação. Ao conversar com um professor, fiquei sabendo que ele também não sabia se iria ter aula, isso dependeria dos alunos. Outro professor, muito querido por muitos alunos, andou até o corredor para se deparar com a situação de bancos obstruindo os corredores das salas de aula com cartazes escrito "Tá difícil de entrar?", em uma possível analogia à pouca quantidade de negros na faculdade. Cartazes com as mesmas palavras foram postos nas portas das salas de aula, como é possível ver na imagem ao lado. Na frente das salas havia cadeiras escolares obstruindo o caminho.
O segundo professor aparentava não saber que não haveria aula. Ele acabou liberando os alunos da aula no final após algumas expressões que interpretei como desgosto. O primeiro professor e outro que iria dar aula para minha turma estavam lá sem saber se iriam dar aula ou não. O terceiro professor disse que ele iria dar aula casos os alunos quisessem, pois não considerava que era obrigatória a participação no evento. Após alguma discussão, deliberaram que não o fariam.
Alunos ligados ao movimento diziam que a aula seria a discussão das cotas, que os alunos não foram informados de que não haveria aula normal para que todos participassem.
Também durante a discussão se iríamos ter aula ou não apareceu a bateria da faculdade para tocar em frente das salas. Isso já estava acontecendo antes em outro corredor, mas vieram no corredor onde estava ocorrendo a discussão no momento em que estávamos discutindo.
Outras informações: dentro da sala onde eu teria aula as cadeiras estavam totalmente desorganizadas, obstruindo por dentro a entrada de alunos. Não foi apenas uma desorganização por fora da sala, mas também dentro. Se eles vão recolocar as cadeiras nos lugares de forma organizada não sei. Essa foto eu vou postar depois, quando a passar para meu computador.
Opinião
Espero ter descrito de forma bastante objetiva os fatos. Alguns detalhes ou apontamentos de minha parte indicam uma perspectiva que já tenderá para minha opinião sobre o tema, no entanto, não são fatos inventados, assim considero que os apontamentos foram objetivos nesse sentido.
1
O posicionamento do Centro Acadêmico foi feito sempre com ênfase em ser da "Gestão Polifonia". Inclusive é a Polifonia que faz "coro" à manifestação. Para quem não sabe, a Polifonia foi uma das chapas a concorrerem para a eleição da diretoria do CA. A minha chapa foi a chapa contrária, é bom destacar, para que os leitores ou as leitoras possam me acusar de ser parcial nesse ponto - espero que não me acusem antes de compreender meu raciocínio:
Há aqui, ao meu ver, uma falta de separação entre a Polifonia e o Centro Acadêmico. Quem se posiciona para a manifestação, para dizer a opinião dos alunos é o CA, e não a Polifonia. A Polifonia não foi eleita para ser o CA, mas sim para geri-lo. A partir do momento que a Polifonia venceu a eleição, os dirigentes passam a responder como gestores do CA, eles não mais falam em nome da Polifonia, mas do CA. Da mesma forma, nas eleições para presidente, o candidato que venceu passa a não mais falar em nome do partido, mas em nome do Brasil (como chefe de Estado) e como chefe de governo. A Dilma não deve dizer "na gestão PT" ou "assim, concluo que o PT está incentivando políticas a favor dos pobres", mas sim é a sua gestão, é o Brasil, o governo brasileiro, e não mais o partido que a elegeu.
2
Já disse certa vez que a democracia ocorre quando há igualdade na liberdade. O que eu penso que deve ser a democracia é algo análogo a um shopping: os amigos não precisam escolher aonde todos irão comer, mas podem cada um comprar o que prefere e depois se sentarem juntos na praça de alimentação. Não é democracia a mera imposição da vontade da maioria dentro de determinados valores: há várias comidas lícitas, não é democrático impor a vontade da maioria de comer em um lugar se há a possibilidade de cada um escolher o seu restaurante. O desrespeito à liberdade individual de escolha em uma democracia implica na corrupção do próprio modelo, levando a algo que chamo de socialismo, mas isso é assunto para outra discussão. Por essa questão da liberdade, vejo como impróprio o uso de palavras derivadas de democracia para gestão em empresas, por exemplo, em que é preciso que os indivíduos cumpram determinadas funções.
O movimento quer ser democrático, quer ter "democracia racial" seja lá o que isso signifique. Impedir as pessoas de assistirem a aula se elas têm esse direito não é democrático. Democracia repousa na possibilidade do aluno decidir se ele quer a "aula dentro da sala de aula" ou a "aula fora da sala de aula". Ao menos que houvesse sido pré-determinado que naquele dia só haveria a aula fora da sala de aula, é um desrespeito aos alunos o impedimento de se assistir a aula. Os professores não sabiam como seria a manifestação, não sabiam se iriam dar aula ou não, isso só confirma a impressão de que não estava pré-estabelecido que a única atividade prevista para o dia seria a paralisação (parece (e é) paradoxal dizer atividade = paralisação).
3
"Se queremos justiça temos que fazer justiça". Apresento-lhe o Código Penal:
Talvez quem escreveu isso não tenha pensado em fazer justiça pelas próprias mãos no sentido literal, e sim que fazer justiça racial era realizar um evento em que se discuta a política de cotas ou que "fazer justiça" seria criar uma política de cotas (nesse caso, a conjugação para primeira pessoa do plural parece inapropriada, ao menos que a pessoa seja uma política ou uma diretor que tenha poder de instituir essa política de cotas). Isso não me importa, estou criticando o que foi escrito, e não a pessoa, e não o que foi pensado.Exercício arbitrário das próprias razões
Tem uma jornalista muito conhecida que disse, a respeito de jovens que fizeram justiça com as próprias mãos, que a conduta era até compreensível uma vez que a segurança no Brasil é tão falha. Ela não disse que a conduta era justificada ou que era correta, mas que é possível compreender a psicologia de comportamentos como esse. Coisa mais grave é não a mera compreensão de atos que querem fazer justiça com as próprias mãos, mas sim fazê-lo.
Uma afirmação como essa: "Se [NÓS] queremos justiça[, NÓS] temos que fazer justiça" indica uma desconfiança em quem não pertence ao "nós". Seja lá quem for o "eles", provavelmente pessoas que tenham o poder para mudar a situação mas não o fazem, há aí um risco de se cometer injustiças em nome da justiça, que é o risco próprio do exercício arbitrário das próprias razões, o risco de se pôs no lugar do juiz, do promotor e do policial, tudo de uma vez. Perdoe-me se não foi isso o que essa pessoa quis dizer, mas isso não se dirige a ela, mas sim à ideia.
4
Uma vida em sociedade, uma vida moral, uma vida política, exige a relação com o outro de forma respeitosa. A ideia de alteridade repousa na consideração do outro como ser humano, como um ser capaz de realizar escolhas, de se autodeterminar, que merece respeito por si mesmo. Não basta não fazer o mal ao próximo para haver alteridade, é preciso que se queira o bem do outro.
O desejo de atrapalhar o outro por atrapalhar, cometer crimes por cometer crimes, de fazer sofrer por fazer sofrer etc. é algo muito abaixo de qualquer noção ética de alteridade. Pessoas que fazem barulho para atrapalhar estão agindo sem qualquer comprometimento ético. No caso, o barulho feito pela bateria foi motivada para atrapalhar pessoas que quisessem aula ou foi feita para a simples manifestação? A linha é tênue, mas parece-me que há algo errado quando a manifestação dá-se em frente a salas de aula.
Nem precisamos ir longe, fazer barulho em um local em que há um assunto sério a ser discutido, como se vai ter ou não aula, é um desrespeito tremendo com quem está conversando. Foi intencional? Não sei, pode ser que tivesse sido programada para que naquele momento a bateria passasse na nossa frente, e se essa foi a situação, desculpo os envolvidos. Caso contrário, os perdoo caso eles achem que agiram mal.
5
Se foi verídica o fato de que os alunos não foram avisados de que não haveria aula PARA que eles viessem e participassem da paralisação, então há uma total violação da boa fé. Não sigo que foi ou não proposital, espero que não tenha sido. No entanto, uma regra moral que qualquer pessoa pode compreender (talvez psicopatas sejam a exceção - não digo que foi o caso, creio que os envolvidos saibam dessa regra, mas acabaram esquecendo no calor do momento) é a de que a outra pessoa não pode ser usada como meio: não é legal você manipular os outros.
Uma coisa é dar incentivos para que os outros façam determinada coisa, outra coisa muito diferente é enganá-las para que elas ajam de determinada forma. Enganar alguém indica uma total perda de valores morais. Discutir se pode ou não mentir para salvar uma vida é uma coisa (eu ainda discordo, mas é uma discussão interessante), outra coisa é mentir para outra pessoa fazer algo que você quer. Não compreender essa diferença é perder noções éticas basilares para o convívio em sociedade. Significa que o outro não tem valor como pessoa, não tem a mesma dignidade que o mentiroso, significa que você pode enganá-lo por ele ser inferior a você. Por isso, pedir desculpas nessa situação é tão valioso: se desculpar é dizer que o outro é digno e que você não deve fazer dele um mero instrumento.
Não estou aqui pedindo para os outros de desculparem. Cada um que faça o que acha correto. Só digo que eu me senti desrespeitado enquanto ser humano. Não me importo se vou receber um pedido de desculpas ou não, estou muito acima disso. Se quiser se desculpar, eu o desculpo; com toda a sinceridade de meu coração eu o desculpo, mas não irei mendigar por reconhecimento, eu tenho valor por mim mesmo (posso ser chamado de "filho de Deus", que dignidade maior do que essa eu preciso?).
6
Vários pontos levantados pela esquerda e por movimentos revolucionários precisam do ódio. O amor não gera revoluções, somente o ódio. Não é ódio a ideias, é ódio a grupos. O amor só pode ocorrer dentro do grupo de revolucionários (preferencialmente nem aí). O ódio separa nós x eles. Os absolutistas x a revolução francesa; os burgueses x proletários; ricos x pobres. Não existe meio termo. Ou é amigo ou é inimigo, ou está com eles ou está contra eles.
"Só um sith pensaria assim" disse Obi-Wan Kenobi quando Darth Vader lhe disse "Se você não está comigo, então é meu inimigo" (as frases foram trazidas pela minha fraca memória, peço perdão se errei os termos precisos).
Uma mentalidade dicotômica, que só pode enxergar o preto e o branco é totalmente fora da realidade. Mesmo que muitas vezes seja preciso realizar essas reduções, elas se tornam perigosas quando são usadas para separar amigos de inimigos. Note: não é para separar ações boas ou más, é para separar amigos de inimigos, partidários de opositores.
Meu temor é que do ódio nasça mais ódio. Não é questão de justiça, equilibrar o mal com o mal (às vezes, infelizmente, necessário), é questão de ódio, de querer destruir e eliminar seu opositor. O ódio é fechar-se contra qualquer coisa que critique sua posição. O nazismo era recheado de ódio pois o ódio fez de muitas pessoas cegas, fez com que seus atos monstruosos fossem atenuados pelo puro ódio propagado.
Há pessoas de direita que querem ajudar pobres, negros, e outras minorias. Fazem isso por amor. "Eu amo o pobre, por isso tento ajudá-lo". "Eu amo o negro, por isso tento ajudá-lo" (não entender aqui "negro" como conceito holístico). Mas a esquerda vem se caracterizando por ajudar as ditas minorias não por amor a elas, mas pelo ódio contra os inimigos da direita. Por querer não só o retorno a uma igualdade rousseauniana utópica e falsa em que todos eram bons e viviam plenamente, mas a eliminação daqueles que supostamente lhe tiraram o paraíso em que todos eram iguais.
7
Enquanto as pessoas a favor da paralisação colocavam faixas e cartazes sobre as portas, uma funcionária, muito gentilmente disse que iria destrancar as portas. Não iria deixá-las abertas, apenas destrancá-las por esse ser seu dever e serviço. Isso foi aceito pelos alunos. Qual é o pressuposto da conduta de destrancar uma sala de aula de uma faculdade pública? Parece-me que é abrir a possibilidade de quem quiser ter aula, que a tenha. Daí deduzo que há aos alunos, se não um direito a aula (pois não há aí um dever do professor em dar aula caso ele adeira à paralisação), no mínimo o direito de circulação. No mínimo, destrancar as portas de uma universidade pública implica em abrir a possibilidade de quem quiser entrar na sala poder entrar.
As funções das faixas, cartazes e cadeiras em frente às salas é o oposto: impedir, imediatamente, que alguém entre, e, mediatamente, que se dê aula lá dentro. Se alguém (não exatamente eu, embora esse comportamento me tenha sido implicitamente imputado) tirar os obstáculos e entrar na sala, ficando lá sozinho, por exemplo, será acusado de estar agindo contra o trabalho feito pelos manifestantes. Perdão se estou errado, mas o que está errado é obstruir um caminho que deveria ser livre. Remover cartazes, faixas e cadeiras (não os destruir) é um desforço (há a força e o desforço) contra a limitação injusta de um direito legítimo. Então quem está errado é quem lá colocou os obstáculos. Se uma pessoa tivesse destruído, rasgado, quebrado, poder-se-ia dizer que houve um desforço além dos limites lícitos, pois o desforço deve ser feito até o ponto necessário. Rasgar cartazes ultrapassa, ao meu ver, do necessário.
Colocar obstáculos ilegítimos e ainda brigar com alguém que os ultrapassou é uma perda de noções de liberdade.
8
Criancinhas pequenas são ensinadas que se deixaram algo cair, elas devem catar. Se elas sujarem, devem limpar. Se elas ofenderem, devem se desculpar. Tratam-se de noções básicas de responsabilidade: Você pode fazer bagunça, contanto que a limpe depois.
Não estou afirmando que isso vai acontecer, mas SE as pessoas organizadoras do evento realizam o trabalho de moverem cadeiras de um andar para outro, de obstruírem portas (tanto por dentro quanto por fora), de bloquearem corredores, colarem cartazes e estenderem faixas fizerem tudo isso e não reorganizarem a bagunça, então terei dúvida sobre a responsabilidade que essas pessoas têm.
9
Pergunto-vos, caros leitores e caras leitoras, o que se pode dizer de alguém que é contrário às cotas? Que é mau? Que é elitista? Que é branco ou rico? Que é feio? Pois bem, e vos pergunto em seguida o que se pode dizer que alguém que é favorável às cotas? É bom? Pobre? Negro? Minoria? Bonito/a? O que vos respondo é o seguinte: Tudo o que posso dizer de alguém que é contrário às cotas é que essa pessoa é contrária às cotas. Tudo o que posso dizer de alguém que é favorável às cotas é que ela é favorável às cotas.
Não forneci dados de quais são os argumentos da pessoa, de quais são seus defeitos e qualidades, de quais são suas condições sociais, econômicas, étnicas. Dizer que quem é contrário às cotas é ____ ou que quem é favorável às cotas é ___ é uma generalização indevida, é criar homogeneidade onde não há homogeneidade. Você pode até falar que quem é favorável a X tem TENDÊNCIA a ter características Y e Z, mas que "É" Y e Z é um erro de intelecto que acarreta o ódio que falei acima. Quando não se consegue separar pessoas de suas ideias estamos diante de um fanatismo.
Então critico pessoas que dizem que aqueles que são favoráveis a cotas são assim ou assado, ou que que quem não é tem tais características ou que aquele que quer ter aula é racista ou que aquele que não quer ter aula tem tais adjetivos. Perdoe-me se ofendi alguém, minha intenção não é essa, mas cresça e pense como alguém maduro. Não venha me acusar (sim, sou contra cotas, já podem me trucidar) de ser insensível ou egoísta ou racista que seja, você aprenda a não rotular alguém a partir de uma opinião (não que as pessoas que digam isso o façam pensando em criticar a cada pessoa).
10
Não sei se alguém disse isso, mas creio que muitos pensem: "É dever de todos os estudantes da faculdade aderirem à paralisação".
Meus caros, a paralisação é claramente favorável à política de cotas. Se há ali um estudante contrário às cotas, ele ainda assim tem o dever de aderir à paralisação? "Sim, ele tem que discutir e apresentar seus pontos de vista". Então esse estudante é obrigado a ir a um evento que tem um pensamento contrário ao seu só para expressar sua opinião e ser adjetivado de forma negativa, mesmo que apenas mentalmente? Se você gosta do Palmeras, vá para o time do Palmeras e discuta com quem quer discutir, mas não obrigue o Corintiano a ir para o seu time e para discutir com você sobre futebol dentro de um evento do seu time.
Últimas palavras
Pode ter sido notado que não falei argumentos envolvendo a política de cotas. Apenas me posicionei contra e apenas isso. Isso ocorreu por um motivo simples: isso é um desabafo, meu desabafo não é a respeito de discussão sobre cotas, mas sim sobre o desrespeito que senti. Não é sobre a materialidade da discussão, mas se havia espaço para discussão. Não é se as cotas eram democráticas, mas se a forma com que se quis chegar à discussão foi democrática. Não se as cotas são medidas morais, mas se o contexto que se deu a discussão foi.
Admito que me surpreendi negativamente com o comportamento de certas pessoas da faculdade. Temo que a faculdade que frequento venha a ser "mais uma", em que os estudantes pensam que podem mudar o mundo, que podem impor suas vontades e que os fins justificam os meios.
Onde há respeito pela liberdade há democracia. Onde há democracia há respeito pela liberdade. Antes de se falar em democracia para fora deve ser democrático dentro, e, ao meu ver, isso está longe da realidade.
Tenham uma boa tarde, agradeço-lhe pelos ouvidos (olhos, no caso).