quinta-feira, 30 de abril de 2015

Desabafo: movimento negro na faculdade

     Caros leitores, caras leitoras, estou fazendo essa publicação em uma situação mais emergencial por conta de eventos recentes que ocorreram. Primeiramente, trarei fatos. Pode ser que sejam fatos por uma única perspectiva, e provavelmente são, no entanto não tira totalmente a objetividade dos eventos.

Dados:

      O Centro Acadêmico (CA) e possivelmente outros grupos estudantis da universidade organizaram um evento a favor das cotas na universidade. Ao lado está uma cópia da parte final da descrição do evento.
      Houve um processo deliberatório do qual não houve ampla divulgação. Eu mesmo não soube que ia ter assembleia para a discussão do tema e, ao que parece, foi realizado em horário em que algumas pessoas tinham estágio. Não estou aqui responsabilizando ninguém e nem pretendo neste ponto criticar a legitimidade da assembleia. Não sei como ocorreu, mas só posso dizer que eu não fui informado.
     Após a deliberação dos alunos pela adesão, o CA enviou um pedido ao diretor para que a possibilidade da organização do evento em horário de aula. Desconheço os termos exatos do documento, mas ele foi entregue e, aparentemente, aceito.


     Os alunos não foram informados se haveria aula hoje, dia em que ocorreu a paralisação. Ao conversar com um professor, fiquei sabendo que ele também não sabia se iria ter aula, isso dependeria dos alunos. Outro professor, muito querido por muitos alunos, andou até o corredor para se deparar com a situação de bancos obstruindo os corredores das salas de aula com cartazes escrito "Tá difícil de entrar?", em uma possível analogia à pouca quantidade de negros na faculdade. Cartazes com as mesmas palavras foram postos nas portas das salas de aula, como é possível ver na imagem ao lado. Na frente das salas havia cadeiras escolares obstruindo o caminho.
     O segundo professor aparentava não saber que não haveria aula. Ele acabou liberando os alunos da aula no final após algumas expressões que interpretei como desgosto. O primeiro professor e outro que iria dar aula para minha turma estavam lá sem saber se iriam dar aula ou não. O terceiro professor disse que ele iria dar aula casos os alunos quisessem, pois não considerava que era obrigatória a participação no evento. Após alguma discussão, deliberaram que não o fariam.
     Alunos ligados ao movimento diziam que a aula seria a discussão das cotas, que os alunos não foram informados de que não haveria aula normal para que todos participassem.

      Também durante a discussão se iríamos ter aula ou não apareceu a bateria da faculdade para tocar em frente das salas. Isso já estava acontecendo antes em outro corredor, mas vieram no corredor onde estava ocorrendo a discussão no momento em que estávamos discutindo.
      Outras informações: dentro da sala onde eu teria aula as cadeiras estavam totalmente desorganizadas, obstruindo por dentro a entrada de alunos. Não foi apenas uma desorganização por fora da sala, mas também dentro. Se eles vão recolocar as cadeiras nos lugares de forma organizada não sei. Essa foto eu vou postar depois, quando a passar para meu computador.


Opinião

     Espero ter descrito de forma bastante objetiva os fatos. Alguns detalhes ou apontamentos de minha parte indicam uma perspectiva que já tenderá para minha opinião sobre o tema, no entanto, não são fatos inventados, assim considero que os apontamentos foram objetivos nesse sentido.

1
    O posicionamento do Centro Acadêmico foi feito  sempre com ênfase em ser da "Gestão Polifonia". Inclusive é a Polifonia que faz "coro" à manifestação. Para quem não sabe, a Polifonia foi uma das chapas a concorrerem para a eleição da diretoria do CA. A minha chapa foi a chapa contrária, é bom destacar, para que os leitores ou as leitoras possam me acusar de ser parcial nesse ponto - espero que não me acusem antes de compreender meu raciocínio:
     Há aqui, ao meu ver, uma falta de separação entre a Polifonia e o Centro Acadêmico. Quem se posiciona para a manifestação, para dizer a opinião dos alunos é o CA, e não a Polifonia. A Polifonia não foi eleita para ser o CA, mas sim para geri-lo. A partir do momento que a Polifonia venceu a eleição, os dirigentes passam a responder como gestores do CA, eles não mais falam em nome da Polifonia, mas do CA. Da mesma forma, nas eleições para presidente, o candidato que venceu passa a não mais falar em nome do partido, mas em nome do Brasil (como chefe de Estado) e como chefe de governo. A Dilma não deve dizer "na gestão PT" ou "assim, concluo que o PT está incentivando políticas a favor dos pobres", mas sim é a sua gestão, é o Brasil, o governo brasileiro, e não mais o partido que a elegeu.


2
     Já disse certa vez que a democracia ocorre quando há igualdade na liberdade. O que eu penso que deve ser a democracia é algo análogo a um shopping: os amigos não precisam escolher aonde todos irão comer, mas podem cada um comprar o que prefere e depois se sentarem juntos na praça de alimentação. Não é democracia a mera imposição da vontade da maioria dentro de determinados valores: há várias comidas lícitas, não é democrático impor a vontade da maioria de comer em um lugar se há a possibilidade de cada um escolher o seu restaurante. O desrespeito à liberdade individual de escolha em uma democracia implica na corrupção do próprio modelo, levando a algo que chamo de socialismo, mas isso é assunto para outra discussão. Por essa questão da liberdade, vejo como impróprio o uso de palavras derivadas de democracia para gestão em empresas, por exemplo, em que é preciso que os indivíduos cumpram determinadas funções.
      O movimento quer ser democrático, quer ter "democracia racial" seja lá o que isso signifique. Impedir as pessoas de assistirem a aula se elas têm esse direito não é democrático. Democracia repousa na possibilidade do aluno decidir se ele quer a "aula dentro da sala de aula" ou a "aula fora da sala de aula". Ao menos que houvesse sido pré-determinado que naquele dia só haveria a aula fora da sala de aula, é um desrespeito aos alunos o impedimento de se assistir a aula. Os professores não sabiam como seria a manifestação, não sabiam se iriam dar aula ou não, isso só confirma a impressão de que não estava pré-estabelecido que a única atividade prevista para o dia seria a paralisação (parece (e é) paradoxal dizer atividade = paralisação).


3
     "Se queremos justiça temos que fazer justiça". Apresento-lhe o Código Penal:
Exercício arbitrário das próprias razões
Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:
      Talvez quem escreveu isso não tenha pensado em fazer justiça pelas próprias mãos no sentido literal, e sim que fazer justiça racial era realizar um evento em que se discuta a política de cotas ou que "fazer justiça" seria criar uma política de cotas (nesse caso, a conjugação para primeira pessoa do plural parece inapropriada, ao menos que a pessoa seja uma política ou uma diretor que tenha poder de instituir essa política de cotas). Isso não me importa, estou criticando o que foi escrito, e não a pessoa, e não o que foi pensado.
      Tem uma jornalista muito conhecida que disse, a respeito de jovens que fizeram justiça com as próprias mãos, que a conduta era até compreensível uma vez que a segurança no Brasil é tão falha. Ela não disse que a conduta era justificada ou que era correta, mas que é possível compreender a psicologia de comportamentos como esse. Coisa mais grave é não a mera compreensão de atos que querem fazer justiça com as próprias mãos, mas sim fazê-lo.
      Uma afirmação como essa: "Se [NÓS] queremos justiça[, NÓS] temos que fazer justiça" indica uma desconfiança em quem não pertence ao "nós". Seja lá quem for o "eles", provavelmente pessoas que tenham o poder para mudar a situação mas não o fazem, há aí um risco de se cometer injustiças em nome da justiça, que é o risco próprio do exercício arbitrário das próprias razões, o risco de se pôs no lugar do juiz, do promotor e do policial, tudo de uma vez. Perdoe-me se não foi isso o que essa pessoa quis dizer, mas isso não se dirige a ela, mas sim à ideia.


4
      Uma vida em sociedade, uma vida moral, uma vida política, exige a relação com o outro de forma respeitosa. A ideia de alteridade repousa na consideração do outro como ser humano, como um ser capaz de realizar escolhas, de se autodeterminar, que merece respeito por si mesmo. Não basta não fazer o mal ao próximo para haver alteridade, é preciso que se queira o bem do outro.
      O desejo de atrapalhar o outro por atrapalhar, cometer crimes por cometer crimes, de fazer sofrer por fazer sofrer etc. é algo muito abaixo de qualquer noção ética de alteridade. Pessoas que fazem barulho para atrapalhar estão agindo sem qualquer comprometimento ético. No caso, o barulho feito pela bateria foi motivada para atrapalhar pessoas que quisessem aula ou foi feita para a simples manifestação? A linha é tênue, mas parece-me que há algo errado quando a manifestação dá-se em frente a salas de aula.
      Nem precisamos ir longe, fazer barulho em um local em que há um assunto sério a ser discutido, como se vai ter ou não aula, é um desrespeito tremendo com quem está conversando. Foi intencional? Não sei, pode ser que tivesse sido programada para que naquele momento a bateria passasse na nossa frente, e se essa foi a situação, desculpo os envolvidos. Caso contrário, os perdoo caso eles achem que agiram mal.


5
     Se foi verídica o fato de que os alunos não foram avisados de que não haveria aula PARA que eles viessem e participassem da paralisação, então há uma total violação da boa fé. Não sigo que foi ou não proposital, espero que não tenha sido. No entanto, uma regra moral que qualquer pessoa pode compreender (talvez psicopatas sejam a exceção - não digo que foi o caso, creio que os envolvidos saibam dessa regra, mas acabaram esquecendo no calor do momento) é a de que a outra pessoa não pode ser usada como meio: não é legal você manipular os outros.
     Uma coisa é dar incentivos para que os outros façam determinada coisa, outra coisa muito diferente é enganá-las para que elas ajam de determinada forma. Enganar alguém indica uma total perda de valores morais. Discutir se pode ou não mentir para salvar uma vida é uma coisa (eu ainda discordo, mas é uma discussão interessante), outra coisa é mentir para outra pessoa fazer algo que você quer. Não compreender essa diferença é perder noções éticas basilares para o convívio em sociedade. Significa que o outro não tem valor como pessoa, não tem a mesma dignidade que o mentiroso, significa que você pode enganá-lo por ele ser inferior a você. Por isso, pedir desculpas nessa situação é tão valioso: se desculpar é dizer que o outro é digno e que você não deve fazer dele um mero instrumento.
     Não estou aqui pedindo para os outros de desculparem. Cada um que faça o que acha correto. Só digo que eu me senti desrespeitado enquanto ser humano. Não me importo se vou receber um pedido de desculpas ou não, estou muito acima disso. Se quiser se desculpar, eu o desculpo; com toda a sinceridade de meu coração eu o desculpo, mas não irei mendigar por reconhecimento, eu tenho valor por mim mesmo (posso ser chamado de "filho de Deus", que dignidade maior do que essa eu preciso?).


6
     Vários pontos levantados pela esquerda e por movimentos revolucionários precisam do ódio. O amor não gera revoluções, somente o ódio. Não é ódio a ideias, é ódio a grupos. O amor só pode ocorrer dentro do grupo de revolucionários (preferencialmente nem aí). O ódio separa nós x eles. Os absolutistas x a revolução francesa; os burgueses x proletários; ricos x pobres. Não existe meio termo. Ou é amigo ou é inimigo, ou está com eles ou está contra eles.
     "Só um sith pensaria assim" disse Obi-Wan Kenobi quando Darth Vader lhe disse "Se você não está comigo, então é meu inimigo" (as frases foram trazidas pela minha fraca memória, peço perdão se errei os termos precisos).
     Uma mentalidade dicotômica, que só pode enxergar o preto e o branco é totalmente fora da realidade. Mesmo que muitas vezes seja preciso realizar essas reduções, elas se tornam perigosas quando são usadas para separar amigos de inimigos. Note: não é para separar ações boas ou más, é para separar amigos de inimigos, partidários de opositores.
     Meu temor é que do ódio nasça mais ódio. Não é questão de justiça, equilibrar o mal com o mal (às vezes, infelizmente, necessário), é questão de ódio, de querer destruir e eliminar seu opositor. O ódio é fechar-se contra qualquer coisa que critique sua posição. O nazismo era recheado de ódio pois o ódio fez de muitas pessoas cegas, fez com que seus atos monstruosos fossem atenuados pelo puro ódio propagado.
      Há pessoas de direita que querem ajudar pobres, negros, e outras minorias. Fazem isso por amor. "Eu amo o pobre, por isso tento ajudá-lo". "Eu amo o negro, por isso tento ajudá-lo" (não entender aqui "negro" como conceito holístico). Mas a esquerda vem se caracterizando por ajudar as ditas minorias não por amor a elas, mas pelo ódio contra os inimigos da direita. Por querer não só o retorno a uma igualdade rousseauniana utópica e falsa em que todos eram bons e viviam plenamente, mas a eliminação daqueles que supostamente lhe tiraram o paraíso em que todos eram iguais.


7
     Enquanto as pessoas a favor da paralisação colocavam faixas e cartazes sobre as portas, uma funcionária, muito gentilmente disse que iria destrancar as portas. Não iria deixá-las abertas, apenas destrancá-las por esse ser seu dever e serviço. Isso foi aceito pelos alunos. Qual é o pressuposto da conduta de destrancar uma sala de aula de uma faculdade pública? Parece-me que é abrir a possibilidade de quem quiser ter aula, que a tenha. Daí deduzo que há aos alunos, se não um direito a aula (pois não há aí um dever do professor em dar aula caso ele adeira à paralisação), no mínimo o direito de circulação. No mínimo, destrancar as portas de uma universidade pública implica em abrir a possibilidade de quem quiser entrar na sala poder entrar.
      As funções das faixas, cartazes e cadeiras em frente às salas é o oposto: impedir, imediatamente, que alguém entre, e, mediatamente, que se dê aula lá dentro. Se alguém (não exatamente eu, embora esse comportamento me tenha sido implicitamente imputado) tirar os obstáculos e entrar na sala, ficando lá sozinho, por exemplo, será acusado de estar agindo contra o trabalho feito pelos manifestantes. Perdão se estou errado, mas o que está errado é obstruir um caminho que deveria ser livre. Remover cartazes, faixas e cadeiras (não os destruir) é um desforço (há a força e o desforço) contra a limitação injusta de um direito legítimo. Então quem está errado é quem lá colocou os obstáculos. Se uma pessoa tivesse destruído, rasgado, quebrado, poder-se-ia dizer que houve um desforço além dos limites lícitos, pois o desforço deve ser feito até o ponto necessário. Rasgar cartazes ultrapassa, ao meu ver, do necessário.
     Colocar obstáculos ilegítimos e ainda brigar com alguém que os ultrapassou é uma perda de noções de liberdade.


8
     Criancinhas pequenas são ensinadas que se deixaram algo cair, elas devem catar. Se elas sujarem, devem limpar. Se elas ofenderem, devem se desculpar. Tratam-se de noções básicas de responsabilidade: Você pode fazer bagunça, contanto que a limpe depois.
     Não estou afirmando que isso vai acontecer, mas SE as pessoas organizadoras do evento realizam o trabalho de moverem cadeiras de um andar para outro, de obstruírem portas (tanto por dentro quanto por fora), de bloquearem corredores, colarem cartazes e estenderem faixas fizerem tudo isso e não reorganizarem a bagunça, então terei dúvida sobre a responsabilidade que essas pessoas têm.


9
     Pergunto-vos, caros leitores e caras leitoras, o que se pode dizer de alguém que é contrário às cotas? Que é mau? Que é elitista? Que é branco ou rico? Que é feio? Pois bem, e vos pergunto em seguida o que se pode dizer que alguém que é favorável às cotas? É bom? Pobre? Negro? Minoria? Bonito/a? O que vos respondo é o seguinte: Tudo o que posso dizer de alguém que é contrário às cotas é que essa pessoa é contrária às cotas. Tudo o que posso dizer de alguém que é favorável às cotas é que ela é favorável às cotas.
     Não forneci dados de quais são os argumentos da pessoa, de quais são seus defeitos e qualidades, de quais são suas condições sociais, econômicas, étnicas. Dizer que quem é contrário às cotas é ____ ou que quem é favorável às cotas é ___ é uma generalização indevida, é criar homogeneidade onde não há homogeneidade. Você pode até falar que quem é favorável a X tem TENDÊNCIA a ter características Y e Z, mas que "É" Y e Z é um erro de intelecto que acarreta o ódio que falei acima. Quando não se consegue separar pessoas de suas ideias estamos diante de um fanatismo.
     Então critico pessoas que dizem que aqueles que são favoráveis a cotas são assim ou assado, ou que que quem não é tem tais características ou que aquele que quer ter aula é racista ou que aquele que não quer ter aula tem tais adjetivos. Perdoe-me se ofendi alguém, minha intenção não é essa, mas cresça e pense como alguém maduro. Não venha me acusar (sim, sou contra cotas, já podem me trucidar) de ser insensível ou egoísta ou racista que seja, você aprenda a não rotular alguém a partir de uma opinião (não que as pessoas que digam isso o façam pensando em criticar a cada pessoa).


10
     Não sei se alguém disse isso, mas creio que muitos pensem: "É dever de todos os estudantes da faculdade aderirem à paralisação".
     Meus caros, a paralisação é claramente favorável à política de cotas. Se há ali um estudante contrário às cotas, ele ainda assim tem o dever de aderir à paralisação? "Sim, ele tem que discutir e apresentar seus pontos de vista". Então esse estudante é obrigado a ir a um evento que tem um pensamento contrário ao seu só para expressar sua opinião e ser adjetivado de forma negativa, mesmo que apenas mentalmente? Se você gosta do Palmeras, vá para o time do Palmeras e discuta com quem quer discutir, mas não obrigue o Corintiano a ir para o seu time e para discutir com você sobre futebol dentro de um evento do seu time.


Últimas palavras

     Pode ter sido notado que não falei argumentos envolvendo a política de cotas. Apenas me posicionei contra e apenas isso. Isso ocorreu por um motivo simples: isso é um desabafo, meu desabafo não é a respeito de discussão sobre cotas, mas sim sobre o desrespeito que senti. Não é sobre a materialidade da discussão, mas se havia espaço para discussão. Não é se as cotas eram democráticas, mas se a forma com que se quis chegar à discussão foi democrática. Não se as cotas são medidas morais, mas se o contexto que se deu a discussão foi.
     Admito que me surpreendi negativamente com o comportamento de certas pessoas da faculdade. Temo que a faculdade que frequento venha a ser "mais uma", em que os estudantes pensam que podem mudar o mundo, que podem impor suas vontades e que os fins justificam os meios.
      Onde há respeito pela liberdade há democracia. Onde há democracia há respeito pela liberdade. Antes de se falar em democracia para fora deve ser democrático dentro, e, ao meu ver, isso está longe da realidade.


Tenham uma boa tarde, agradeço-lhe pelos ouvidos (olhos, no caso).

domingo, 26 de abril de 2015

Aviso e meu ponto de vista sobre o estudo da matemática

     Inicialmente, quero dizer que vou diminuir a frequência das postagens. Está ficando muito corrido publicar um texto por semana, então vou diminuir para um texto a cada duas ou três semanas.

     De qualquer forma, eis o texto:

     Embora esteja fazendo Direito, sempre gostei muito de exatas, em especial da matemática. Muitas pessoas têm dificuldade nessa matéria, então vou explicar algumas coisas no sentido mais amplo. Dificilmente poderão ser imediatamente aplicadas, pois o que escreverei não são dicas exatamente, mesmo que, no fundo, tenham alguma base prática.
      Costuma-se dizer que a matemática é uma das matérias cujo aprendizado mais requer o domínio de conceitos aprendidos anteriormente. Para aprender operações com frações, é preciso dominar a multiplicação. O cálculo do volume de um cilindro exige o conhecimento da área de um círculo. É claro, é possível utilizar fórmulas, mas saber de cor as fórmulas não leva ao verdadeiro aprendizado da matemática.
      De nada adianta saber várias fórmulas se não se sabe por que ela se aplica. Não digo que é preciso lembrar mentalmente todas as demonstrações, mas é preciso ter noção de como se chega até a fórmula. Pessoalmente, tinha um gosto por aprender o processo sem a fórmula, e em toda questão deduzia a fórmula. Com o tempo, acabava memorizando a própria fórmula e dispensava seu raciocínio.
     A compreensão do processo está ligada a uma aspecto que considero muito intrínseco à matemática: o raciocínio lógico. Como em um jogo de xadrez, é preciso que o matemático veja o problema e os dados que têm, imagine soluções e as submete a um teste. Na matemática, ou os caminhos levam ao nada ou levam à resposta. Há vários caminhos corretos, e todos eles levam à mesma resposta. Chegar a uma resposta diferente implica em ter cometido um erro. Não existe "o" caminho certo, existem caminhos rápidos, e eficientes, mas qualquer caminho que se leve ao resultado é correto.
     O desenvolvimento do raciocínio lógico me levou a brincar de encontrar caminhos alternativos para um mesmo problema. A imaginação de várias formas de resolução indica o domínio nos conceitos utilizados. A imaginação dessas formas não pode se limitar ao conteúdo específico da matéria, mas qualquer solução dentro da matemática pode ser útil: encontrar a área de uma figura pode se dar tanto na geometria plana quanto por equações superiores. No entanto, a imaginação só é possível quando há o domínio que mencionei.
     Kung fu têm várias traduções, usualmente é "trabalho árduo", mas me foi ensinado que é "tempo e habilidade" - só com o tempo e trabalho se desenvolve a habilidade. O kung fu ensina e treina as bases, tipos de golpes, posturas, movimentos dos "pesos do corpo", no entanto, após se dominar os princípios, o aluno espontaneamente passa a criar o kung fu. Primeiro ele aprende a técnica, e só a terá dominada quando conseguir criar a sua própria. O importante não é saber milhares de golpes, mas sim saber os fundamentos dos golpes, e esses fundamentos permitem que o aluno aplique o melhor golpe na situação, ou que desenvolva um golpe de forma autônoma.
     Da mesma forma, um bom ensino da matemática leva a se ensinar processos de raciocínio e fundamentos matemáticos. Isso levaria o aluno a encontrar ele próprio os seus caminhos preferidos. Assim como um enxadrista não pode se limitar a saber táticas e movimentos específicos, mas sim ter uma visão estratégica de como resolver problemas, o matemático deve compreender principalmente os processos e depois as fórmulas.

     Isso tudo se aplica a diversas áreas do conhecimento. No entanto, foi na matemática que vi isso tão claramente. E, ao ver que isso seria o ideal, vejo o quão distante nosso ensino se encontra de passar aos alunos o raciocínio matemático lógico.

domingo, 19 de abril de 2015

[Vídeo] Lógica 5 - Proposições na lógica "formal"

Link para o próximo vídeo:

https://youtu.be/-VVzMS4d2-M


Tenham um bom dia!

sábado, 11 de abril de 2015

A culpa é da vítima?

     O senhor azul foi assaltado certo dia. Ele acaba relatando o ocorrido para seus amigos, o sr. verde e a sta. amarela. Após o relato, o sr. verde diz:
     - Sei que o evento pelo qual você passou foi trágico. Você devia saber que aquela praça é perigosa. Nas últimas semanas tem muitas pessoas que são roubadas lá. As coisas não são mais como no nosso tempo, em que você podia andar sossegado pela nossa cidade. Hoje a criminalidade está a mil.
     - Você está me dizendo que eu não tenho o direito de andar no lugar que eu quiser?
     - Direito você tem, mas não foi uma escolha sensata. Se você pode caminhar em um lugar bem vigiado, sem ocorrências de crimes, ou em um lugar que nem passa polícia, que há um crime por dias ou mais, então é prudente escolher caminhar no lugar mais seguro.
     E a srta. amarela diz:
     - Ainda bem que não te aconteceu nada pior...
     - Eu fui assaltado! Devo ficar feliz por isso?
     - Eu não disse isso, disse que poderia ser pior. Eles poderiam, por exemplo, ter te matado. Mas eu também sempre te alertei para não andar com a carteira tão à mostra.
     - Então eu não posso fazer o que quero com o que é meu?
     - Pode, eu não estou dizendo isso. Ah, e também, é bom você andar acompanhado se for para esses lugares.
     O sr. azul fica irritado.
     - Vocês dois estão defendendo bandido! Que absurdo é esse?! Estão dizendo que são os criminosos que mandam no lugar em que eu caminho, que eu não posso ficar andando com a carteira do jeito que eu quero. Pois saiba que eu tenho o direito de fazer o que eu quiser da minha vida, estão entendendo? Eu ando onde eu quiser e deixo minha carteira onde eu quiser.
     - Está bem, mas depois não reclame se for assaltado de novo.
     - Você está defendendo o bandido!
     - Eu não estou. Só estou dizendo que você deve se cuidar.
     - Isso é uma ameaça?
     - É claro que não. Você é burro? Não consegue entender o que eu estou falando?
     - Estou entendendo bem demais.
...

     Caros leitores e leitoras, inicialmente quero pedir perdão por ter diminuído as postagens, mas espero que agora eu retome a atividade.

     Na discussão acima, creio que há dois pontos de vista sobre o roubo. O primeiro é o ponto de vista realista, no sentido que parte do pressuposto de que o roubo acontece, que há lugares mais perigosos que outros, e que as pessoas devem ser atenciosas com a criminalidade. O segundo ponto de vista é o de que o roubo é errado, e nunca pode ocorrer.
      Como podem observar, não são pontos de vista paradoxais, um não anula o outro. A verdade é que quando pessoas partes de pontos de vista diferentes, seja por uma visão ideológica ou por estar psicologicamente afetado, podem acabar gerando discussões desnecessárias por não aceitar o que o outro diz, pensando que o que o outro diz é mais do que efetivamente foi tido.
      Meu ponto de vista é muito simples: o crime é errado, porém não podemos partir do pressuposto de que o mal não existe. Se queremos preveni-lo, temos que traçar uma estratégia para que não nos atinja. Creio ser um raciocínio simples este o meu, mas que, porém, pode gerar mal entendidos tremendos, sobretudo se uma das partes estiver cega para os argumentos diferentes.
      A culpa não é da vítima, é do bandido, o que não significa que a vítima não pode fazer nada para evitar ser vítima.


Obs.: Para entenderem o que quero dizer por essa cegueira, leiam novamente o trecho, substituído "roubo" e "assalto" e seus verbos e derivações por "estupro". Troquem o sr. azul pela sra. rosa. Troquem "bandido" por "estuprador". Substituam alusões à "carteira" pelo modo de se vestir.

É isso, tenham uma boa tarde.

domingo, 5 de abril de 2015

Vouchers

Vou explicar um pouco sobre minha visão sobre o sistema de vouchers.

1 O que são vouchers na educação

     Vouchers são documentos emitidos pelo governo. Pense que são como cheques. Tais documentos são usados como forma de pagamento. No entanto, a ideia do voucher não é a de que se pague qualquer coisa, mas sim que só se possa usá-los para pagar por educação.
     Cada filho dará ao seus pais o direito a um voucher. O pai usará esse voucher para pagar pela escola do filho. Na verdade, o dinheiro é arrecadado por tributos e é repassado para os pais, que só poderão usar o dinheiro para educação.
     Não haverá escolas públicas, todas as escolas serão de iniciativa privada. Assim, os pais pagarão diretamente pelo serviço. Note: não há escolas públicas, mas todos os pais terão como colocar os filhos nas escolas que julgarem mais apropriadas. O sistema de vouchers tentará aumentar a competitividade das escolas, que buscarão dar educação de qualidade para o maior número de alunos.
     A ideia veio do economista Milton Friedman. A solução seria muito boa, segundo Hayek, por possibilitar o empreendimento privado (que é mais eficiente do que o público, diga-se de passagem) com acesso a todos.


2 Críticas ao sistema de vouchers

     A ideia, no entanto, apresenta críticos. Vou dividir a crítica naquela que vejo como um problema contextual (o qual encontrei no artigo do IMB) e em um problema que vejo como estrutural (o qual eu concebi - explico melhor abaixo).


2.1 O problema contextual

     Pessoas que têm uma desconfiança maior do estado dizem que há um problema: o estado (já que segundo essas pessoas todos, ou pelo menos a maioria, dos problemas é causado pelo estado. Não vou me alongar nesse ponto). Quanto vale um voucher? Vale quanto for decidido por uma medida política, provavelmente do executivo. O sistema de vouchers trará uma maior influência do estado na educação, o que pode ser muito danoso - p. ex. pode haver um sistema de pagamento diferenciado para auxiliar os alunos "piores" a entrarem em escolas, isso pode criar um incentivo perverso que pune o "bom" em detrimento do "mau" (os termos entre aspas se referem ao desempenho acadêmico).


2.2 O problema estrutural

     Formulei esse problema, daí a possibilidade dele estar equivocado. No entanto, vi uma possível comprovação de que acertei no parágrafo entre colchetes do texto do IMB.
     O maior problema, ao meu ver, será explicado abaixo. Inicialmente, vamos pressupor que todos os vouchers são de mesmo valor.
     Primeiramente, podemos pensar que o custo por cada aluno é diferente. Um aluno com desempenho pior irá demandar mais gastos com aulas extras, poderá atrasar a sala etc. Como todos os alunos trazem a mesma receita, haverá uma tendência da escola recusar tais alunos (criando métodos de expulsão mais rígidos, por exemplo). Acho que no fundo essa crítica terá pouca relevância prática, mas fique posta.
      Em segundo lugar, o ensino se tornará medíocre. A escola mais eficiente será a que possui mais alunos, e não a que possui melhor educação. A melhor educação é mais cara do que a educação de massa (sem qualquer crítica aqui a uma educação de massa). Uma educação de alta qualidade exige um gasto por aluno mais elevado: na compra de equipamentos como microscópios, substâncias químicas, componentes de circuitos, e mesmo em professores dispostos a darem aulas extras (extras para interessados, não extras como de reforço somente). O valor de uma educação mais cara é repassada para os pais. No entanto, se o valor a ser pago para escolas se limita aos vouchers, tal valor não pode ser compensado, desincentivando tal conduta. Um exemplo simples é o seguinte: tomemos por pressuposto (a fim de ilustração) que uma sala de 20 alunos tem uma qualidade melhor do que outra de 100 alunos. O custo escolas dos dois é muito próximo, no entanto, a receita obtida com os 100 alunos é 5 vezes a receita obtida com os 20 alunos.
     Existem, é claro, benefícios de uma educação voltada para massas, que é o acesso de todos à educação. No entanto, minha crítica é que o sistema de vouches pode levar a uma perda de educações mais específicas, com qualidade e gastos superiores.
     No entanto, o pressuposto foi de que a educação só poderia ser paga por vouchers. Agora vamos para a hipótese de que os pais podem pagar o voucher + uma quantia qualquer para as escolas. Agora é possível haver um pagamento além dos vouchers. Escolas que investem em mais qualidade podem cobrar mais caro.
     Nessa situação, pergunto-me até que ponto o sistema de vouchers será eficiente. Pode haver como consequência poucas escolas que aceitem os vouchers dependendo do valor determinado do voucher. O problema de determinar esse valor é achar o ponto médio entre deixar de investir em outros setores e investir pouco em educação. Deveria ser um valor que permita o acesso à educação sem que necessariamente se precise pagar mais, mas que também possibilite a concorrência com instituições que cobrem um pouco a mais. O problema é que a mera possibilidade de cobrar um valor maior irá fazer com que várias escolas cobrem um pouco mais dos pais: O pagamento de tributos que financie o sistema de vouchers irá diminuir o montante de dinheiro do indivíduo. No entanto, mesmo com essa diminuição, as pessoas terão dinheiro para pagar, 1 real, 10 reais ou mesmo 100 reais para uma educação um pouquinho melhor. Considerando que no mundo não há concorrência perfeita, as escolas provavelmente começarão a aproveitar o fato de que o voucher só é valioso para elas, os pais não ganham em nada por mantê-lo consigo, e os pais estão dispostos a pagar uma quantia um pouco menor - o que totaliza um ganho grande pela educação de massa. As escolas passariam a, mesmo com o preço elevado do serviço por conta de vouchers supervalorizados, cobrar um valor adicional, pois esse valor marginal os pais estão dispostos a pagar.


3 Conclusão 

      Para fazer uma oposição a minha visão pessimista sobre essa medida, acredito que o sistema de vouchers permite um acesso maior à educação, mas me pergunto se os custos para a implantação desse regime são aceitáveis.
      Uma dúvida que pode ser extraída do que falei é: quem determina o valor do voucher? Haverá rigidez nesse valor? Haverá uma politização da educação? Diversas discussões sobre como seria implantada a medida política podem amenizar os impactos negativos ou os riscos dessa política, porém mesmo assim temo que os vouchers possam não ser a solução ideal.
       Mesmo assim, sobretudo quanto ao problema que digo ser estrutural, tenho minhas dúvidas sobre a minha análise. Estaria ela correta? Caso identifiquem alguma falha, podem me apontar.


Link útil:

http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1942