segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

PM, proteção do cidadão ou do Estado?

     Estava lendo a seguinte entrevista:  Wagner Moura: “A PM é treinada para proteger o Estado, não o cidadão”. Vou fazer meu comentários, acho que tem bastante coisa para falar.

     Primeiro, evitando mal entendidos, qualquer defesa que eu faça da Polícia Militar não implica em aprovar todas as condutas que ela realize como instituição como que os policiais realizem no posto de policiais ou que possam realizar por serem policiais. Não estou aqui defendendo invasões a propriedade sem mandato, violência desnecessária e outros atos.

     Gostaria de discordar da afirmação do título inicialmente. A PM tem a função de garantir a segurança pública (melhor do que a expressão "proteger o Estado"). Quanto à alegação de "proteger o Estado", eu vejo que há uma pluralidade de significados. O que é "proteger o Estado"? Há "inimigos do Estado" (termo que tirei do próprio texto) que qualquer um concordaria: terroristas, assassinos, ladrões (o que, lembrando do que disse acima, não significa que se possa fazer qualquer coisa contra eles). O entrevistado apresenta dois inimigos como exemplos: manifestantes e moradores de favelas.
      Por que manifestantes? Por eles quererem mudanças ou se posicionarem contra uma política existente, de modo a fazer o poder público agir de determinado modo? Se qualquer manifestante for considerado "inimigo do Estado", vivemos em uma ditadura. Ocorre que não é qualquer manifestante. Tomemos por exemplo as manifestações organizadas pelo Movimento Brasil Livre, em que a ação da polícia foi praticamente inexistente no sentido de reprimir a manifestação. A PM só deve (pode haver abusos, mas estou tratando do dever inicialmente) agir caso a manifestação ameace a segurança pública: quando começa a haver violência contra pessoas ou coisas, quando a manifestação ameça algum tipo de dano, quando a manifestação avança para além dos limites previstos de modo a ir para locais onde possa haver risco para terceiros. Temos a visão de que esse pressuposto é razoavelmente cumprido. A mídia divulga muitas vezes informações que mostram uma PM violenta, sendo que muitas vezes há omissão de informação relevante, sendo que tal informação aponta para uma ação da PM legítima ou até certo ponto compreensível. Para uma análise aprofundada, é preciso procurar informações sobre as manifestações, as quais eu não procurei para esta postagem; porém pelo estudo que fiz anteriormente posso afirmar isso.
     Moradores de favelas. Quanto a eles, não tenho informações suficientes para me posicionar, mas reitero que não concordo com as medidas autoritárias que ocorram em maior ou menor medida nesses casos. No entanto, percebam um raciocínio falacioso utilizado. O entrevistado considera que os moradores de favelas são "inimigos do Estado" toda vez em que um deles tem sua casa invadida ou é vítima de tortura, abuso e desrespeito. Qual é a falácia? Ele tomou a parte pelo todo. Vou fazer o raciocínio de forma clara:
  i) Alguns moradores de favelas são desrespeitados, torturados, sofrem abuso ou tem sua casa invadida pela PM.
  ii) (pressuposto) quem tem sua casa invadida, é desrespeitado, torturado, sofre abuso pela PM é considerado inimigo pelo estado.
  iii) Os moradores de favela são considerados inimigos pelo estado.
     Notem que eu propositalmente omiti na conclusão (iii) uma palavra que indique totalidade ("todo" os moradores) ou parcialidade ("alguns" moradores). O raciocínio correto logicamente seria que se alguns moradores sofrem esse arbítrio, então alguns moradores (só as vítimas) são considerados inimigos do estado, e não todos. As afirmações não comportar na conclusão a totalidade do grupo dos moradores de favelas. O ponto em que na realidade essa generalização é possível ser feita não é do meu conhecimento, porém é preciso compreender que essa generalização tem um germe de erro de raciocínio.

     Voltando à noção de que a PM tem a função de garantir a segurança pública, qual o problema do seu armamento. O Brasil é um país com uma taxa enorme de homicídios, e não é por culpa da PM. Muitas vezes os bandidos têm armas mais poderosas do que a PM (pois a própria PM tem seu armamento bastante controlado). Obviamente a política do desarmamento não funcionou para criminosos. Tendo bandidos armados, é preciso que quem vá se defender ou defender os outros esteja armado para garantir no mínimo uma paridade de armas. Retirar as armas da polícia nessa situação de homicídios enorme é querer ou aceitar a morte dos policiais e dos cidadãos de bem. Uma lógica de que a polícia com armas é violenta, então aumenta a reação dos criminosos não faz sentido. Bandidos comuns iriam ser desencorajados por uma polícia eficiente (há vários fatores de eficiência, porém parar um criminoso com arma letal dificilmente será eficiente sem outra arma letal igual ou superior pelo policial). Quando há uma facção criminosa, o armamento também não faz sentido (ao menos que se queira paz com os criminosos em que eles cometem crimes e o estado assiste), pois, embora haja risco de represálias, o desarmamento da PM é muito pior, pois justamente nesse caso que a PM tem maior papel. O grupo criminoso claramente é uma ameaça à segurança pública, enquanto um criminoso sozinho é primeiramente uma ameaça à segurança privada, e depois talvez passe a uma ameaça pública. Desarmar a polícia possibilitará que o grupo criminoso aja sem obstáculo.

      Segurança pública x segurança privada: se a polícia é responsável pela segurança pública, quem é responsável pela segurança privada. Podemos pensar em agentes de segurança particulares, contratados. No entanto, também podemos pensar (o que pelo princípio da subsidiariedade deveria ser inclusive algo anterior) no cidadão protegendo a si mesmo e aos seus iguais. Existem modos de prevenir uma ação violenta (dizendo para pessoas não andarem sozinhas no meio da noite, sabendo que isso é ocasião para roubos; e dizendo para mulheres não saírem com roupa curta sozinhas à noite em locais conhecidos por estupros - ok, eu provoquei, mas deem uma lida neste post meu). No entanto, é possível também observar que o cidadão pode reagir no caso de um criminoso. Por mais que exista campanhas (muitas vezes infundadas, ou melhor, fundadas em mitos, o que é a mesma coisa) para não reagir, isso deve ser uma escolha de cada um. Se você percebe que o bandido não está armado de verdade nem tem comparsas e você tem uma faca, por que não reagir se você já treinou com facas antes? Citei um exemplo simples, mas essa escolha entre reagir ou não reagir é uma escolha que deve ser feita pelo cidadão, em suas condições particulares de equipamentos e treinamento, e não uma imposição governamental para que todos se comportem como covardes. Como citei antes, é preciso ter em mente a paridade de armas. O bandido já tem o fator surpresa e tem mais chances de conseguir se armar do que um cidadão honesto, então a possibilidade (não imposição) de quem quer se armar deve ser permitida para garantir no mínimo um equipamento que equipare vítima e agressor.
     Obs.: Fiz aqui uma defesa principiológica da possibilidade do armamento. Existem defesas consequencialistas que demonstram que o desarmamento aumenta os crimes violentos. Para mais informações leiam o livro "Preconceito contra armas" de John Lott ou, o que é mais acessível, vídeos do Bene Barbosa.

Extra: conservadorismo.
     Durante a entrevista, o entrevistador faz perguntas que associa o conservadorismo com a intolerância (há outras associações, porém menos explícitas). Ok, como entrevistador você pode tentar fazer o entrevistado se sentir à vontade e tudo mais. Mas o que acontece de fato? O conservador é intolerante por defender a igualdade perante a lei? Racismo existe na direita e na esquerda. Há diversos casos de líderes ou pessoas da esquerda que expressam posições racistas. Intolerância contra homossexuais também. Ocorre que na maioria dos casos de envolvimento político os homossexuais são de esquerda, daí não se atacam, porém há intolerância da esquerda contra homossexuais de direita. Preconceito religioso? Esquerdista que prega um estado ateu (mesmo que com o rótulo de "estado laico") é mais intolerante do que os católicos que se acovardaram de expressar  seus valores religiosos. Esse não é o tópico aqui, e não vou recriminar ninguém por expressar-se sobre este tópico, porém não gerar muita polêmica, a esquerda não é tão bonzinha quanto pintam.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Questão do aborto

     Quero inicialmente pedir desculpas pela baixa frequência com que venho postando artigos. Irei tentar melhorar neste aspecto.

     O tema de hoje será o aborto. O motivo foi um vídeo feito por atores da Globo feito há algum tempo. Ele levanta várias questões que seria preciso analisar mais atentamente.

     Há a alegação de que Maria não teria concebido por ação do Espírito Santo, e que isso teria vindo de erros na tradução. Eu não tenho estudo suficiente sobre isso, mas há um vídeo muito legal cujo link segue: https://www.youtube.com/watch?v=CODSEFnUHgk .
    Antes de ir diretamente para o tema, acho interessante um ponto levantado por  Reinaldo Azevedo: Se alguém defende o aborto para que o ser humano que venha ao mundo não sofre, não é difícil imaginar que tal pessoa veja em cada criança abandonada alguém que deveria ser abortado. Como diz o Conde, defender o aborto trata-se de querer decidir quem vive e quem morre, uma violação óbvia à dignidade humana. Vamos com calma. O que pretendo aqui é tratar diretamente do aborto

1 O aborto é uma matéria religiosa?

     Primeiro, para evitar que alguém pense ou comente algo como "você está querendo impor a sua crença sobre todas as pessoas do Brasil", é preciso mostrar brevemente que o aborto não é uma questão apenas religiosa. Neste tópico não irei adentrar no mérito do aborto.
     O aborto é uma matéria religiosa? Sim. É SÓ uma matéria religiosa? Não. Uma discussão sobre o aborto pode ocorrer em diversos campos, não necessariamente envolvendo argumentos religiosos.
     Faço uma analogia: A mentira é uma matéria religiosa? Sim. Falso testemunho é pecado em diversas religiões. É só uma matéria religiosa? Não, podemos dizer que é uma questão moral não necessariamente religiosa - basta estudar Kant, que defendia que "não mentir" é um imperativo categórico, Kant não apresentava uma lógica religiosa para defender sua teoria. A mentira é uma matéria política? Sim, a mentira pode desestabilizar a sociedade, a mentira tem efeitos sobre os meios de prova em um processo judicial.
     Ainda na mentira, se eu disser "você não deve mentir por isso ser pecado" e somente isso, eu estarei tendo que pressupor que a pessoa tenha uma crença que considere o aborto pecado. Se ela não tiver tal crença, pode simplesmente me ignorar, ou pode pensar que estou querendo impor a minha religião sobre ele, uma vez que não há argumentos fora o religioso de que ele não deve mentir. Se, contudo, eu disser que a mentira implica em um injustiça, pois nega a verdade a outra pessoa, ou que a mentira fere a dignidade humana, pois não considera que o alter deve receber a verdade, e sim a mentira; ou, ainda, se eu explicar que se "não mentir" fosse algo comum, isso destruiria a confiança e a vida em sociedade; em todos esses casos eu não envolvi argumento religioso, não se pode afirmar só por isso que eu estou querendo impor a minha religião sobre o outro.
     Assim, se eu quero discutir o aborto com não católicos, então eu não devo usar argumentos religiosos (eu sou católico), e é isso o que farei abaixo.

2 Homens podem opinar?

     Diz-se que homens não podem opinar sobre o aborto por não serem eles que abortam. Qualquer pessoa que busque a verdade não irá aceitar esse argumento. Indico o vídeo do Conde, que disponibilizei o link acima. Se esse argumento fosse permitido, então eu poderia dizer que as vítimas de estupro não podem opinar sobre estupro por não serem elas que estupram. Eu poderia usar outro exemplo, mas esse é mais marcante para quem defende o aborto.
     Ora, poderiam responder: as vítimas são pessoas envolvidas no estupro, então elas devem poder discutir. Muitas vezes dizem que o estuprador não deve ter o direito de se defender, qualquer modo de justificar seus atos é algo monstruoso.
     Do mesmo modo, então, para o aborto, quem deveria discutir o aborto seriam as crianças que serão abortadas, enquanto as mães que querem realizar o aborto estão tentando justificar o injustificável. Como as crianças que estão na barriga da mãe não podem argumentar por razões biológicas, e como estão em uma situação de extrema vulnerabilidade, devem ser maximamente protegidas pelo poder público.
     Dizer que um grupo não pode opinar, além de violar a liberdade de expressão, é se colocar em uma posição de superioridade intelectual, em que quem não está no mesmo nível deve ser ignorado. Há pessoas que gostam muito de falar de efetividade dos direitos. Para essas pessoas, fica dito que a liberdade de expressão só se torna efetiva quando quem fala é ouvido.
     Quem afirmar que homens não podem opinar sobre o aborto devem desprezar a capacidade humana de se colocar no lugar do outro, a empatia.  No entanto, desprezar a simpatia implica em também se eliminar da discussão qualquer mulher que não já tenha abortado ou prestes a abortar, pois as mulheres que não abortaram ou estiveram prestes a abortar não poderiam se colocar no lugar da mulher que já passou pela experiência. Isso sem considerar que trata-se não só de um caso que envolve a experiência, mas envolve a discussão sobre a vida de outra pessoa, sobre questões morais e de saúde pública - seria o mesmo que afirmar que médicos, por exemplo, não poderiam falar sobre sobrevivência na selva, já que nunca passaram pela experiência (exceto, obviamente, os médicos que já passaram pela experiência).

3 O feto deve ser protegido?

     Muitas das discussões sobre o aborto partem de uma posição de que o feto deve ser protegido ou de que o feto não deve ser protegido. Muitos dos conflitos passam por esse ponto como algo certo, sendo que a discussão desse ponto é fundamental.
     Quem argumenta que o feto deve ser protegido pode partir de duas justificativas (três, se considerar o utilitarismo): a) ou a potencialidade da vida humana deve ser protegida, o feto já possui essa potencialidade, daí sua proteção; b) o feto é uma pessoa, um ser humano, e isso implica que tem direitos naturais (ou direitos fundamentais, não convém diferenciar aqui. (vou discutir isso antes de tratar do direito ao próprio corpo).
     a) Nem mesmo seria preciso discutir se o feto é um ser vivo ou não, se é uma pessoa ou não. Como a vida é um dos mais importantes bens a ser tutelado (se não o mais importante), então deve ser protegida antes mesmo de surgir. Por exemplo, deve-se dar especial atenção às grávidas não somente por as mulheres nessa situação estarem mais vulneráveis, mas também por carregarem em si uma vida ou um potencial para a vida. Daí deve-se dar mais descanso, mais cuidado, menos irritação: não por a mulher não conseguir se recuperar a essas dores, mas para que o feto tenha um desenvolvimento saudável. Negar isso seria, em última análise, negar a "sacralidade" dos benefícios à gestante.
     b) Ainda mais forte será a proteção se o feto for de fato um ser humano (posição que será adotada no prosseguimento do texto). b1) A criança mesmo no ventre materno tem individualidade, seja genética, seja no próprio desenvolvimento físico e psicológico (há pesquisas que afirmam que influências externas no momento da gestação afetam comportamentos psicológicos da criança), o que aponta para um ser vivo. b2) Não há diferença substancial entre a criança que já nasceu e a criança que está na barriga da mãe, exceto por uma questão espacial, permitir o aborto em si seria permitir matar uma criança segundos antes de nascer, com 9 meses (o site do Padre Paulo Ricardo tem um relato pesado de alguém que aproveitava dessa diferença de estar dentro ou fora do útero para realizar práticas satânicas). Considerar que não há diferença entre a criança dentro e fora do útero implica em se admitir ou que a criança dentro do útero deve ser preservada, ou que a mãe pode matar o filho mesmo fora do útero (ver o vídeo o Conde citado acima, ele trata um pouco da questão). "Direito" de vida ou morte sobre os filhos, creio seja unânime, é uma prática homicida possivelmente eugênica. b3) Pode-se tentar determinar um momento entre haver vida ou não haver vida durante a gestação. A existência do sistema nervoso seria o critério? (Se sim, vale notar que isso deve ser definido por um exame clínico, e não com uma presunção de que após determinado tempo ele terá o sistema nervoso. O desenvolvimento de cada um é diferente, e um tipo de presunção que implique na morte de alguém que seria considerado vivo só se justifica - se é que se justifica - em situações extremas) Eu considero que esse não é um bom critério. Mesmo que se diga que a morte ocorre quando não há atividade cerebral, e que, portanto, a vida ocorre quando se inicia a atividade cerebral. Isso seria reduzir o ser humano a sua dimensão material ou bioquímica, desconsiderando aspectos que vou trazer no próximo ponto. b4) A potencialidade da vida está nos gametas, mas a vida humana se origina com a concepção. A partir daqui há vários argumentos. Um seria a alma; não é preciso considerar isso um argumento religioso, a existência de alma não é algo de uma religião ou outra, mas uma discussão que envolve a essência humana e a existência de uma realidade não material - pode ser uma discussão agnóstica, baseada em evidências e raciocínios filosóficos. Outro argumento pode ser a caracterização da vida humana a partir da identidade genética (que se consolida somente com a fecundação). Pode-se considerar que biologicamente a partir da concepção a estrutura formada já passa a ter um metabolismo próprio característico de um ser vivo - mesmo que dependente de nutrientes e outras substâncias, o metabolismo é da nova vida. Também pode-se considerar que a partir da concepção já há individualidade propriamente humana que permite a identidade como um ente e não como qualquer outro tendo, entre outras características, o fato de ter algo próprio, uma estrutura própria voltada para a autopreservação, para o crescimento, para a autodiferenciação em relação aos demais.
     A partir desse momento se parte da tese de que a vida humana se inicia a partir da concepção. (como curiosidade à discussão, a legislação brasileira protege o nascituro desde sua concepção. Independente de ser vivo ou uma potencialidade, a concepção dá início à tutela jurídica)

4 O argumento consequencialista

      Agora, adentrando no argumento consequencialista. Basicamente ele tentará pesar os prós e os contras para decidir se uma ação deve ser feita ou não, procurando reduzir a discussão a uma questão de trazer mais consequências positivas ou negativas.
      O ponto de vista meramente utilitário pode levar basicamente a duas conclusões relevantes: a) o aborto é negativo, pois reduzirá a felicidade do mundo e/ou aumentará o sofrimento; b) o aborto é positivo, pois aumentará a felicidade do mundo e/ou reduzirá o sofrimento;
     a) Aumento da felicidade pode dar-se pelo prazer de abortar ou de usar o feto para alguma coisa (ver o link do site do Padre Paulo Ricardo). A diminuição do sofrimento pode ser a redução do sofrimento da família ou o impedimento de que a própria criança sofra no futuro por conta das condições em que nascer.
     Esse raciocínio é extremamente preocupante. Creio que as feministas abortistas (perceba a ausência de vírgulas no adjetivo) achem também monstruoso sentir prazer em abortar, então não prosseguirei nesse ponto. O uso da criança para outros fins - médicos, satânicos, que seja - configura uma clara violação da dignidade da pessoa humana, que pode ser formulada inicialmente como nunca tratar outro ser humano como um meio, um instrumento, e sim como um fim em si mesmo (interessados, estudem Kant - não estou usando Kant para fortalecer minha posição, estou dando uma dica mesmo para quem se interessa). Se consideramos realmente que desde a concepção há vida humana, usá-la como meio é a instrumentalização do ser humano, sendo algo horrível (pela própria violação da dignidade humana) e implicando em consequências ainda piores (como a eugenia, pois se o ser humano é um meio, ele pode ser morto por uma causa, como a preservação de uma raça superior, seja essa raça artificial - ser humano 2.0 - ou natural - pureza étnica).
    Também fere a dignidade de um modo totalitário, de alguém que posiciona como se Deus fosse: essa pessoa será infeliz, portanto é melhor que morra/ não nasça. Isso fere também a própria liberdade humana de aceitar a dor e se dignificar no sofrimento, de encontrar razão mesmo nos desafios e na pobreza, seria partir de uma posição determinista que poderia argumentar que pobres são infelizes, portanto pobres devem abortar, e pobres deveriam ser mortos por serem infelizes, claramente um argumento monstruoso por se basear em uma materialismo reducionista.
     b) O argumento (até onde sei pouco usado) de que será bom para a mãe ter o filho pois isso lhe trará mais responsabilidade, ou lhe deixará mais feliz é também um atentado à dignidade humana. A criança estará sendo vista somente como um objeto, um brinquedo, destinado à satisfação da mãe. Abriria espaço para "e se a mãe se cansar, pode jogar fora", levando à hipótese "a)".

    Minhas criticas recaem sobretudo ao argumento consequencialista em si. Ele tem uma alta tendência a tratar seres humanos como objetos, violando a dignidade humana. Há aplicações relativamente importantes em alguns pontos políticos e vários pontos econômicos, mas na questão específica do aborto é muito complicado.
     (Há mais alguns aspectos consequencialistas que serão tratados no último tópico)

5 O argumento da autopropriedade

    Um argumento muito comum na atualidade é o de que a mulher pode fazer o que quiser com seu corpo. "Meu corpo, minhas regras". O Reinaldo Azevedo trata bem deste tema no link que citei acima.
     Quero iniciar com uma observação fortemente de caráter religioso, porém pertinente. O ser humano não é completamente dono de si mesmo. Primeiro, a vida é dele não como propriedade, mas como algo que lhe foi concedido. Segundo, o ser humano não é dono do próprio corpo, como diz a bíblia, não pode fazer um único fio de cabelo ficar branco ou escuro, ele ter limitações por leis naturais. Pela liberdade, ele pode tirar a própria vida ou arrancar o próprio braço, mas essa possibilidade não se confunde com propriedade: um exemplo simples: eu te empresto meu estojo. Eu ainda sou o dono, você é um possuidor. Você tem o poder para destruir o estojo, mas isso não significa que você é o dono do estojo, e sim que tem poder sobre ele. Qual a importância disso para discussão: Não é por a mulher poder fazer algo consigo e contra a criança em seu ventre que ela legitimamente tem o direito de fazê-lo. Argumentar em contrário do que digo implicaria em se dizer que o assassino pode matar por ele ter esse poder, o que se restringe à dimensão física e fática, e não à dimensão moral, cultural, política.
     Pois bem, concordo que a mulher tem liberdade sobre si mesma (o homem também sobre si mesmo). É natural do ser humano a possibilidade de se autodeterminar, de optar entre o bem e o mal (preferencialmente pelo bem), escolher meios e determinar fins. No entanto, também digo que um homicida ou um estuprador têm liberdade (exceto em casos graves e extremos). As leis, sejam humanas, sejam naturais, limitam o que o ser humano pode fazer. Não é por alguém ser livre para matar que ele deve fazê-lo ou não deve ser punido se o fizer ou que o homicídio será algo bom ou neutro. A liberdade, na vida social (não exclusivamente), deve ser vista como uma liberdade limitada, sendo a lei o separador entre o que se pode fazer ou não (pode não no sentido de ser possível, mas no sentido de ser lícito).
     A liberdade entra em um conflito (ou em um processo de adequação e delineamento) ao se confrontar com outros valores, como a vida, a propriedade ou a liberdade do outro. No caso, como admitimos que o feto é um ser humano, e, portanto, tem os direitos de um ser humano, é o conflito entre a liberdade da mãe com a vida da criança. Do conflito entre a vida do outro e a própria liberdade, costuma-se escolher a vida. Não pode ser por um capricho ou por comodidade que se pode sacrificar a vida de outra pessoa, ainda mais uma pessoa inocente e com uma ligação tão forte, que é a ligação entre mãe e filho. Se existir alguma circunstância que permita o aborto, será uma situação excepcional, extrema.
     Não vou discutir a/s exceção/ões, pois eu realmente não tenho opinião formada sobre isso.
     Caímos de volta na discussão do argumento consequencialista. Escolher abortar em regra implica na violação da dignidade da criança. É a escolha da mãe por uma vida mais prazerosa, é a escolha de um ditador sobre quem será feliz e, portanto, deve viver.

6 Mitos sobre a legalização do aborto

      Existe uma excelente palestra sobre mitos do aborto. São mitos estatísticos no caso, mas disponibilizo o link https://www.youtube.com/watch?v=UVG6gFN3Sdc, em que se trata de 5 mitos:

Mito 1: Mito sobre o número de abortos que acontecem.
Mito 2: Mito de que o número de abortos diminui com a legalização
Mito 3: Mito de que o Brasil tem maior número de abortos que países que o legalizaram
Mito 4: Mito de que o aborto está aumentando no Brasil
Mito 5: Mito de que o aborto diminui a mortalidade materna (na verdade não tem efeito)

Conclusão

     Não vou recapitular tudo, a conclusão é somente a de que o aborto é homicídio e deve ser proibido.
     Há muito mais o que ser dito, explorando outros pontos, outros argumentos, outros aspectos que são relevantes, porém não diretamente.


Queria colocar mais imagens, porém tem imagens muito tristes do aborto, e eu não quero impactar demais o leitor.
Volto a divulgar a página do blog no Facebook: https://www.facebook.com/Cop%C3%A1zio-de-Saber-1412921775615957/
Como o tema é polêmico, e minha abordagem se referiu a parte do que é levantado, talvez eu tenha que escrever mais... Minha intenção foi mais explicar como eu vejo o ponto em linhas gerais.

Tenham uma boa noite

sábado, 17 de outubro de 2015

Mudei minha opinião sobre movimentos de minorias gerarem ódio

     Já dizia um sábio, que pessoas não inteligentes falam sobre pessoas, pessoas médias falam sobre coisas, pessoas inteligentes falam sobre ideias. Dentre as ideias, ouso acrescentar, existem as que são importantes e as que não são importantes. Sinceramente, é muito triste ter que escrever sobre coisas menos importantes, eu gostaria muito de escrever agora sobre coisas importantes como a relação entre a vida e a morte, sobre amor e sentimentalismo ou sobre o perigo da vida eterna, porém é triste ter que conviver com pessoas que param em discussões já superadas, questões que, no fundo, se refletem em fazer o bem ou fazer o mal a outras pessoas, mas que por mesquinharia continuam a ser discutidas com fé cega.
     Tudo bem, sobre o que escrevo? Sobre a mudança de minha opinião a respeito de movimentos de minorias gerarem ódio, piorarem a situação. Por exemplo, eu achava que a demanda por cotas não gerava radicalismos para aqueles que eram contrários. Eu, pessoalmente, não iria ficar com ódio por haver pessoas defendendo as cotas e não compreendia por que essa discussão aumentaria radicalismo para os dois lados.
      Sangue atrai sangue, ódio atrai ódio. Quem me conhece me considera uma pessoa calma, mas, sinceramente, quando alguém aponta o dedo na minha cara e me acusa de algo que não fiz com base em um raciocínio viciado, repleto de ódio em sua voz, não há como não sentir raiva. Não deixo a raiva se transformar em ódio, mas é compreendível (não correto, mas compreensível) pessoas que não tinham ódio passarem a ter ódio de quem faz esse tipo de coisa.
     O que aconteceu? Após a pichação que dizia, diretamente ou indiretamente (não vi a pichação), que negros não são inteligentes, os negros da faculdade se uniram para realizarem um protesto. Justo? Sim, justo. O que critico são os meios. Chamar atenção é algo justo, mas prejudicar os outros não. A pessoa é livre para se expressar, mas não é livre para obrigar as pessoas a a ouvirem. Tocar um tambor para chamar atenção é justo, porém o fazer no horário de aula não. Tudo bem, teve autorização do professor, não é tão ruim, mas ao se fazer em uma sala se atrapalhava as salas ao lado. Considero isso um desrespeito.
     Após o tambor entra uma moça gritando com todo mundo que a culpa é de cada um pelo racismo, dizendo que todos tiveram um tratamento bom por ser branco, enquanto os negros não, dizendo que nós tínhamos medo de mais negros entrarem na faculdade, que deveríamos ter vergonha de estar em uma sociedade com poucos brancos. Só no final dirigiu uma palavra especialmente para a pessoa que fez a pichação. Posso, legitimamente, porém não por uma certeza lógica, deduzir que todas as outras palavras duras foram dirigidas a cada um que não escreveu a pichação, inclusive as palavras baixas que usualmente chamamos de palavrão.
     Generalização desse tipo é extremamente preconceituosa e falha. Tome o exemplo de alguém vamos supor que seja branco, mas cuja família migrou para o Brasil em 1930, por exemplo (caso hipotético), que culpa os antepassados dessa pessoa teve? Que culpa ela tem? Se disserem que ela é culpada por ser branca, então a divisão artificial da sociedade em grupos atingiu um nível de paradigma: a pessoa só consegue pensar em grupos, e não em indivíduos. Não importa se os indivíduos integral o grupo de modo coerente ou não, a realidade para essa pessoa é o grupo, e não os indivíduos. Se disserem que essa pessoa hipotética não é culpada mas que os demais são, então ela ainda é preconceituosa e deve pedir desculpas para qualquer pessoa que não se enquadre no que disse (seja o que disse verdade ou não, sejam os descendentes dos donos de escravos culpados ou não), mas por que dificilmente elas fazem isso? Por suas ideias serem ódio e seu motor ser a raiva, admitir que o que diz não se aplica a todos do grupo a que culpa é enfraquecer seu argumento pela análise racional, e isso não é possível. Admito, há exceções, e essas exceções pedem desculpas a quem ouve sem ter culpa; eu peço desculpa e eles. Pode ser que existir tais pessoas diminua a força do meu argumento, porém nunca parti de generalizações como "todos os que defendem as minorias" ou algo assim.

     O que eu acho que está acontecendo? Pegue uma sociedade razoavelmente em ordem, insira nessa sociedade que um grupo é prejudicado por conta de outro. É verdade que há questões históricas, mas crie nessa sociedade dois grupos, para ter um "nós" contra "eles". Separe essa sociedade nesses dois grupos e faça discursos de ódio, ou, pelo menos, discursos culpando um grupo pelas mazelas do outro grupo. A lógica deve deixar de ser pelos indivíduos e passar a ser pelo grupo a que se pertence. Mesmo que ninguém do grupo pense dessa forma, não importa, você está dizendo sobre o espírito daquele grupo, sobre preconceitos tão profundos que nem mesmo quem está no grupo percebe.
     Faça isso com eficiência e você incitará ódio no grupo que se diz explorado. Obviamente, não todos cairão nesse discurso, mas esses serão um grupo silencioso em meio a uma minoria barulhenta. Quando esse grupo com ódio começar a acusar o outro, pedir privilégios, reduzir todo o debate a uma discussão entre "nós" contra "vocês", entre o "bonzinho explorado" e o  "malzinho explorador", então você também incitará ódio em meio a pessoa do grupo que não é explorado, mas que se sente injustiçado pelas acusações. Esse tipo de movimento, por mais que muitos indivíduos tenham a boa fé de tentar defender quem é oprimido, gera ódio e divisão social. Não justifico os atos das pessoas que agem de boa fé nessa situação, pois embora elas queiram o melhor para o que pensam ser o grupo elas, estão começando a usar meios que fogem do respeito ao próximo, e não irei justificar o desrespeito fundado no bem comum ou algo assim.
     Em suma, movimentos pró minorias geram SIM o ódio na sociedade quando desrespeitam quem não tem nada a ver com a história.


Obrigado, foi mais a título de desabafo. Não sou uma pessoa que se deixa guiar pelas paixões, mas se começarem a me acusar de ser racista e de ter culpa pela escravidão e pela pobreza alheia, vou seguir o conselho daqueles (idiotas) que dizem "quem se omite já escolheu um lado" ou "quem está em silêncio também oprime", para, se é que já tenho um lado, defendê-lo com mais ânimo. Não vou abraçar o ódio, mas não vou ficar ouvindo calado se essa falta de respeito continuar.

sábado, 3 de outubro de 2015

[Vídeo] Resumo livro "Civilização"

https://youtu.be/kH46dPhQpz4

Resumo do livro "Civilização" de Niall Fergunson, em que ele procura explicar o motivo de o Oriente, tão avançado em tecnologia e conhecimentos, foi ultrapassado pelo Ocidente. Muito interessante.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Algumas reflexões sobre o jogo This War of Mine

     Estive essa semana a jogar um pouco um jogo chamado "This war of mine", para os não fluentes em inglês, poderíamos dizer "Esta minha guerra". É basicamente um jogo de sobrevivência, em que o jogador controla alguns personagens e o objetivo é conseguir sobreviver. Os personagens são pessoas comuns, não militares, e elas tentam coletar recursos, construir aparelhos improvisados para garantir o sustento e o descanso. Seria mais ou menos um "The sims" apocalíptico, em que se tem que cuidar de alimentação, descanso, psicológico, sem falar das doenças e ferimentos, em que é fácil algum dos personagens ser ferido ou ficar doente, em que o alimento é escasso assim como os itens para construir as coisas.
     Esse jogo, embora com um gráfico simples, próprio de um ambiente de degradação e degeneração, é muito bom. Estou escrevendo esta postagem por algumas reflexões que ele ensejou em mim. Inicialmente, pensei que seria só mais um jogo, muito legal, divertido, mas ainda apenas um jogo que não me impactaria (como todos os jogos que já joguei - assim como pensei que "Os sofrimentos do jovem Werther" não me impactaria por ser "só um livro"), ledo engano.

     Normalmente vemos os jogos com um certo distanciamento entre o jogador e o personagem. Temos implícito que no jogo realizamos os sonhos que na realidade não podemos - ver, por exemplo, um GTA, em que é simples matar, fugir da polícia, roubar. No "This war of mine" eu entrei com essa expectativa. No entanto, pensei em ter como objetivo garantir a moralidade dos meus personagens: ajudar os outros quanto possível, não roubar, não matar (até por alguns atos de caridade possivelmente ensejarem recompensa). Se é possível sobreviver à guerra sem matar, sem roubar, seria isso o que eu faria naquele jogo.

     Com o tempo, fui me afeiçoando aos personagens, eles passaram a ser importantes. Eu queria que eles continuassem vivos até o fim. Não era tolerável uma ideia de deixar um deles morrer de fome para que os outros pudessem viver de modo satisfatório. Contudo, a crise vem e torna necessário fazer escolhas difíceis, muitas vezes fiz escolhas erradas. Eu acolhi um personagem que não sabia que estava doente, e ele me dava muita despesa, o que me fez várias vezes pensar se não era melhor não tê-lo acolhido. Mas a vida segue.
     Quando minhas opções foram ficando escassas, eu resolvi entrar em um local em que haveria muitos objetos abandonados (então não estaria furtando ninguém), mas que também tinha um local habitado (se tirasse algumas coisas de lá, aí sim estaria furtando). Eu escolhi esse local por, embora ser vigiado em uma parte, eu poder viver sem a violação da propriedade privada no meu histórico. Pois bem, grande foi minha surpresa ao encontrar só uma casa habitada e vigiada. Eu fui procurar por objetos abandonados, mas por conta das minhas circunstâncias, mandei o personagem furtar algumas coisas. O problema é que fui visto, e estava em um local sem saída. Nisso já vinha um morador armado contra mim. O único meio de sobreviver seria matá-lo.
      Bom, isso me faz pensar naquelas pessoas que vão furtar ou roubar usando uma ameaça, a vítima resiste, e matam a vítima. Quem seria o culpado nessa situação? É tão injusto dizer "a vítima morreu porque reagiu" quanto "a moça foi estuprada por andar sozinha com roupa curta em um local perigoso", no entanto é uma regra prática: você sabe que algumas situações ou atitudes têm um risco maior (embora haja pesquisas dizendo que a reação pode ser mais eficiente em algumas circunstâncias, coisa que não vou aprofundar aqui), então é na prática melhor escolher suas ações mesmo que seja desconfortável ou pareça ferir a própria liberdade. Posso dizer que o meu personagem estava errado ao furtar, assim como um bandido ao furtar e roubar. É natural que uma pessoa procure proteger seu patrimônio, então até certo ponto é previsível uma reação. Não se pode dizer que há uma responsabilidade plena no meu caso (ou no caso do meu personagem) por eu estar sem escolha, ou eu morria ou eu matava (não havia também opção de devolver, ou de falar que eu iria sair sem ferir ninguém), o que nem sempre é o caso de um assaltante, muitas vezes ele tem a escolha (ele pode fugir, por exemplo, mesmo que haja um impulso humano de terminar o que se começou, mesmo sendo algo ruim). Mesmo assim, penso que, mesmo não sendo uma responsabilidade plena, ainda há algum grau de culpa.
     Penso, nesse sentido, que o mal atrai o mal. Assim como uma ação má pode ensejar a mentira, a violação da propriedade pode ensejar na violação da vida alheia. Mais ou menos o que dizem sobre uma droga ser a porta de entrada para outros, penso que muitos vícios e pecados criam uma ocasião para mais.
     Talvez algo interessante seja o tempo que tive para pensar entre um tempo que joguei e outro. Na hora tudo passa rápido, e se faz atitudes erradas ou que seriam injustas na vida real sem pensar muito. Um tempo de reflexão pode gerar algum incômodo. O ato de olhar para trás e ver que o que foi feito é bom. É bom ter um tempo para analisar suas próprias atitudes durante o dia (no jogo, deu-se entre um tempo de jogo e outro, mas no dia a dia pode ocorrer antes de dormir), um exame de consciência para saber se cumpriu todas as metas do dia, se fez algum erro. Sem esse tempo, pode ser mais difícil progredir moralmente, pois sem a reflexão, o que passou passou. Passa agora a analogia de que a reflexão moral pode ser análogo a uma pessoa que, antes de sair se olha no espelho, só que em vez de ver o presente normalmente uma reflexão moral olha para o passado. Assim, não se pode corrigir o que já foi feito, mas se pode atentar para o futuro.
     Após algum tempo jogando, passei a aceitar várias coisas do jogo, como matar, roubar. Talvez estivesse considerando o jogo como só um jogo (como quando eu resetei o jogo quando um dos personagens morreu), mas será que na vida real em tais dificuldades seria fácil perder essa estranheza do que é ruim?

    Eu sou uma pessoa que pensa que deve estar pronta para caso ocorra algum desastre (interessados, pesquisem por "sobrevivencialismo" na internet), e esse jogo me faz pensar várias coisas que ainda não sei responder. Por exemplo, pode uma pessoa fazer justiça com as próprias mãos quando o aparelho estatal está ausente? Mesmo que seja comum, é certo? Por mais que eu saiba que é errado roubar, mesmo tendo que escolher entre "a honra e o sustento", será que eu conseguiria evitar fazê-lo em uma situação de desastre?

Boa noite

domingo, 9 de agosto de 2015

Um exemplo da relação entre propriedade e responsabilidade

     Como devem saber, na última postagem eu apresentei os dez princípios conservadores de Russel Kirk. Dentre eles, está a convicção de que a ideia de propriedade se relaciona com liberdade. Apresentei que dentre eles também surge a responsabilidade.
     Aqui vem um exemplo prático que pode ajudá-los algumas situações bastante específicas. Quero, antes, que a ideia não é totalmente original, mas vem de algumas leituras que fiz. Não lembro exatamente no que me baseei.

    O exemplo é simples, imagine uma casa em que um dos ocupantes viva deixando a toalha no chão após o banho. Isso dá algum trabalho para quem lava as roupas, que deve procurar a toalha desse sujeito, pegá-la e levá-la para o local em que será lavada. O mais correto seria que todos levassem toalhas sujas para um cesto específico em que estariam as coisas que seriam lavadas. Isso foi pactuado pelos ocupantes da casa, que pode ser uma família, um grupo de amigos em um república ou o que for, mas não teve efeito.
     A solução mais simples aqui pode ser a de simplesmente não lavar a toalha. Se ela não está no cesto, então não vai ser lavada. Lembro que no exemplo que li a sugestão era pegar  toalha do chão e deixar, por exemplo, em cima da casa do cachorro, para enfatizar o problema, sem dúvida seria mais eficiente :)

     Agora, minhas reflexões mais originais: e no caso de, por exemplo, não haver toalha específica de um ocupante. Tanto um irmão usa a toalha do outro, por exemplo. A toalha largada seria dos dois irmãos, então isso poderia afetar o irmão que não é desleixado e poderia beneficiar o irmão que cometeu a infração - pois ele pode usar a toalha limpa do outro irmão.
    Mais uma vez, podemos estabelecer a propriedade privada como meio para induzir a responsabilidade. Agora as toalhas não mais serão coletivas, cada um terá uma parcela determinada das toalhas. Pode ser uma separação por cor, por exemplo, ou, o que pode ser mais eficiente, estampar o nome do seu dono. Nessa situação, a pessoa que deixa a toalha largada será o diretamente prejudicado pela própria conduta.

     Coisa semelhante pode ocorrer com os brinquedos, em que uma criança aprende a ser responsável quando há punições (ou sanções para não dar a ideia de algo tão dramático) quando os deixa espalhados pela casa.
     Lembro de ter visto algo bem simples para ensinar responsabilidade. Tem uma relação com propriedade, ou, mais especificamente, com posse. Sempre que alguém deixar algo cair, quebrar, tirar algo do lugar, imediatamente já deve voltar a organizar ou a limpar. A pessoa se torna responsável por devolver o que foi tirado do lugar e a limpar o que ele mesmo sujar. A relação com propriedade é mais fraca, mas vale a pena, inclusive como uma regra para si próprio.


Desejo-vos uma boa tarde

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Dez princípios conservadores de Russel Kirk

     Russel Kirk, um grande pensador conservador norte americano procura explicar o que é um conservador. Para isso, traz vários princípios que o conservador segue. Por serem princípios, possuem um nível mais abstrato do que concreto, a um nível de pensamento anterior à ação (afinal princípio é começo, ponto de partida).
     O livro "A política da prudência" trazem esses princípios, embora o autor não se aprofunde tanto neles. Eu estou sem o livro nesse momento, então retirei do blog do Rodrigo Constantino. Quero deixar claro que peguei os princípios e vou explicar com minhas próprias palavras.

1) Existência de ordem moral duradoura

     Basicamente podemos dividir em duas afirmações:
     a) Conservador não é relativista - existem comportamentos melhores e piores, bons e maus, justos e injustos. Isso não depende apenas da cultura, mas de uma ordem imutável. Uma conduta boa é boa independente do lugar e do tempo. Isso não impede que a circunstância não seja levada em consideração, mas naquela circunstância sempre será errada. O relativismo sempre me lembra da tentação da serpente no paraíso segundo a bíblia - "sereis como deuses, conhecedores do bem e do mal", a tentação é a de que o ser humano poderia escolher e determinar o que é o bem e o mal. O conservador considera que o homem não tem esse poder; o bom não é o que se define como bom.
     b) Conservador não é materialista - cuidado aqui com a palavra "materialista". Quero dizer que existem valores que transcendem o arbítrio humano. Esses valores implicam na existência de um bem e um mal objetivo (e não subjetivo). O conservador não é necessariamente religioso, desde que encontre um fundamento para essa ordem moral - seja por uma derivação puramente racional, segundo uma filosofia kantiana, ou na existência de um ente inexplicável e incompreendido ou o que seja.


2) Valorização do costume, da continuidade, da convenção

     "O Estado é uma associação ... não somente entre vivos, mas também entre mortos e os que estão para nascer" (Edmund Burke)
     Os conservadores acreditam em uma união entre as gerações. Uma sociedade relaciona aqueles que viviam antes, que deram seus fundamentos, os que estão vivos e os que virão no futuro.
     Os conservadores também reconhecem uma sabedoria dos mais velhos, que adquiriram experiências na vida e tiveram muito tempo para estudar e compreender o mundo, tendo muitas vezes uma sabedoria prática que falta aos jovens.
     O desejo de manter uma herança, de dar continuidade a uma tradição muitas vezes mal compreendida não implica em um apego fanático ao velho. O que é herdado possui um sentido de continuidade, porém é preciso realizar as mudanças para repassar aos futuros herdeiros algo melhor. Essa mudança deve ser prudente, refletida, e não uma busca por originalidade e reconhecimento.

3) Princípio da consagração pelo uso (muito relacionado ao anterior)

     A sabedoria herdada é maior do que a sabedoria que será descoberta nessa geração. Ninguém inventa todo o conhecimento do nada, mas ele a ciência é edificada a partir de descobertas e teorias anteriores. Aqui, cabe uma analogia interessante: o cientista deve valorizar o que os que vieram antes descobriram, sistematizaram, realizaram; mas isso não significa que ele não deve procurar algo novo, mais conhecimento, e nem que ele deve acreditar piamente no passado, porém não pode ser prepotente (diria, tolo, ingênuo) a ponto de querer reinventar a roda, querer revisar tudo o que já foi descoberto, recriando tudo a partir do nada. Isso seria idiotice. Ele deve respeito aos antigos cientistas, pois estará construindo o saber em cima de um edifício que já se iniciou.
     Obviamente, existem tradições erradas, assim como há teorias erradas e experimentos realizados sem controle, mas isso não significa que tudo o que é do passado deve ser desprezado.

4) Princípio da prudência

     Problemas reais são complexos, normalmente não são resolvidos bem por soluções simples. É preciso se preocupar mais se a direção está certa do que se você está se movendo rapidamente. A prudência é a virtude de empregar os meios mais apropriados para os fins desejados. Isso dificilmente pode ser feito no calor do momento, ou sem reflexão. É pela prudência que indícios implicam em uma observação mais atenta.

5) Princípio da variedade

     Não se pode lutar contra a variedade. A busca por excessiva igualdade é um caminho para ditaduras, para mais desigualdade ou para um fracasso. Os seres humanos nascem diferentes, e querer eliminá-la é lutar contra a própria natureza humana. Diferença, variedade, não implica em superioridade, vale lembrar. Homens e mulheres são diferentes, adultos e crianças, negros e brancos, engenheiros e artistas. Isso não significa que um deles é melhor do que o outro. Reconhecer a diferença pode levar a generalizações sobre pessoas de outros grupos, porém esse é um risco que se deve assumir e combater, para que não se crie uma cruzada que vise eliminar qualquer diferença.

6) Princípio da imperfectibilidade

    Na visão cristã, é claramente resumida pela ideia do pecado original. O conservador não pensa em um "bom selvagem" rousseauniano, mas sim que o ser humano é miserável, imperfeito, pecador, "com mais crimes na consciência do que coragem para admiti-los, pensamentos para concebê-los e tempo para executá-los" (Hamlet). Pode até ser que pensem que o homem não nasce mau; porém o fato é que o homem nasce imperfeito, frágil, tolo, ambicioso, egoísta.
    Nesse contexto, o conservador tem medo que o outro pode fazer. Ele mesmo tenta buscar o bem e evitar o mal (uma vez que bem e mal existem), mas sabe que é falho, e sabe que muitas vezes os outros geram problemas para ele. Daí, por exemplo, a defesa do armamento, o conservador sabe que a polícia não é onipresente, que o criminoso pode estar armado. Ele não pode delegar sua proteção. Ele defende a possibilidade da arma muitas vezes esperando nunca ter que usá-la, sabendo a arma lhe dará mais responsabilidades do que direitos.
     Porém, da miséria humana, se percebe que um deve ajudar ao outro, pois se a humanidade é um barco furado, então todos os homens estão no mesmo barco; e ajudar a tampar (imperfeitamente) o furo ou a retirar água com baldes é antes um dever dos tribulantes.

7) Liberdade e propriedade estão intimamente ligadas.

    A propriedade é entendida como algo próprio de alguém. Se a propriedade é algo próprio de um sujeito, ela não é algo próprio da coletividade ou do outro. Aqui o conservador observa a propriedade como aquilo que separa o público do privado; sua casa é o seu castelo em que ele é o rei. Sua liberdade em relação ao que lhe é próprio implica na responsabilidade. Deixar de cuidar pode implicar na perda do parcial ou total do bem. Ao se ter um bem de consumo, se vive o dilema de consumir agora ou consumir depois, cada escolha com uma responsabilidade. Ter uma bola implica na escolha de emprestá-la ou não quanto outro lhe pedir. Pela propriedade vem a liberdade e a responsabilidade.
     A propriedade implica em algum domínio do mundo para a própria existência, uma segurança frente à insegurança. Quando alguns santos ou ordens religiosas se desligam da propriedade, estão renunciando ao seu individualismo (não à individualidade) para se porem completamente a serviço de Deus. Não é um ideal que deve ser imposto, mas é uma vocação de algumas pessoas. A ideia de renúncia não é vista como um coletivismo imposto, mas em um chamado individual. Ela não nega a relação entre liberdade e propriedade tal como entendemos aqui (pode-se dizer que eles estão mais livres, pois estão mais inteiramente entregues à própria vontade, mas isso diverge um pouco da noção política de liberdade).
     Proibir a propriedade privada implicará na imposição de um regime em que todos serão escravos, pois ninguém poderá garantir o próprio sustento. Implicará na perda da distinção entre público e privado, tudo será público, e quanto tudo é público, não resta nada ao indivíduo.

8) É preferível comunidades voluntárias do que um comunitarismo involuntário

"Depois da liberdade de agir sozinho, a mais natural ao homem é a de combinar seus esforços com os esforços de seus semelhantes e agir em comum. Por isso, o direito de associação parece-me tão inalienável pela sua natureza, quanto a liberdade individual. Um legislador não poderia desejar reduzi-lo sem atacar a própria sociedade" (Tocqueville)
    Eu iniciaria a explicação pelo princípio da subsidiariedade: quando surge um problema, se tenta resolvê-lo envolvendo menos pessoas. Envolver mais pessoas que o necessário é gerar mais problema. Se um problema é familiar, não se deve pensar em torná-lo regional, por exemplo. Nessa situação surgem comunidades voluntárias, como associações, grupos, clubes. Um grupo de pessoas se reúne para fazer alguma coisa. Isso ocorre voluntariamente, e não por imposição. Essas pessoas livremente podem construir uma quadra de futebol, ou abrir um comércio ou reunir livros para uma biblioteca.
     O problema surge quando essa realidade benéfica, de pessoas se reunindo e se ajudando, se torna algo imposto, involuntário; quando algum ser que se diz iluminado resolve impor suas ideias; quando o poder de tudo fazer, o qual não seria confiado nem ao melhor amigo, é atribuído à coletividade (citando indiretamente Tocqueville). O comunitarismo, que deixa de ver indivíduos como pessoas é maléfico, destrói a liberdade (aqui, novamente, rompe a distinção entre público e privado) em um regime de escravidão.

9) É preciso de limites prudentes para o poder e para as paixões humanas

"E somente em Deus vejo Quem poderia sem perigo ser todo poderoso, porque a sua sabedoria e a sua justiça são sempre iguais ao seu poder. [...?] Não existe, pois, sobre a terra, autoridade tão respeitável em si mesma ou revestida de tão sagrado direito que eu desejaria agir sem controle e dominar sem obstáculos." (Toqueville)
      Lembrando que a natureza humana é corrompida, o poder permite ao ser humano fazer coisas erradas sem sofrer diretamente as consequências dos seus atos. Essa aparente violação da justiça (que é dar a cada um o que é seu) pode, e normalmente o faz, fazer o ser humano perder a distinção entre o que deseja e o que é o certo. Daí, recordo da feliz afirmação de Lord Byron: "O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente". Dentro dos homens existe ou facilmente se encontra um princípio do pecado, fundado mesmo que sobre bases boas - em um exemplo simples, é bom o desejo de comer, mas é mau o desejo de comer desenfreadamente. O modo que os conservadores muitas vezes pensam sobre como impedi-lo de destruir ao indivíduo e, principalmente, à sociedade é pela imposição de limites prudentes, como a de um pai que proíbe o filho de atravessar a rua sozinho (pode-se dizer que o governo não deve proteger o indivíduo de si mesmo, mas sim de outros; mas a regra é a mesma, no sentido de que ela continua válida, o que muda é se ela pode ser imposta pelo governo).
     Os conservadores veem uma perda da humanidade se tiver excesso de poder ou excesso de libertinagem (aqui, entendido como uma "liberdade" que torna a pessoa escrava de si mesma). Seguir somente as próprias paixões ou receber mais poder do que é capaz de controlar torna o homem algo que não é humano. ("Atrevo-me a fazer tudo o que é próprio de um homem; quem faz mais, homem não é" (Macbeth); "Os sentimentos, donos e senhores da razão, levam-nos de um lado para o outro, conforme gostam ou detestam" (O mercador de Veneza)), novamente há aqui o princípio da prudência - deve-se ser prudente para determinar esse limite.
   
10) Oposição ao culto pelo progresso

     Há ideias de que é preciso realizar a mudança. Mudança pela mudança; pela ação, pela atividade, pelo movimento se irá a um mundo melhor. Basicamente o que minha mãe dizia ao definir um adolescente: "Eu protesto, não sei por o que protesto, mas eu protesto!". Penso que essas pessoas ou estão movidas por uma paixão cega por ver ação em um desejo suicida ou pensam que algum espírito do tempo irá guiar a sociedade para um mundo melhor pela mudança, que não precisa ser refletida. Seja qual for a motivação, o conservador teme o progresso não calculado, as mudanças que podem levar ao céu ou ao inferno (e pela natureza humana, provavelmente para o inferno).
     Imagine o seguinte: chacoalhar uma caixa irá organizar ou desorganizar o conteúdo? Os conservadores tendem a procurar soluções que não destruam o "status quo", levando a uma situação não imaginada. Um dos grandes méritos dos ingleses foi ter realizado "revoluções" sem a violência de uma revolução francesa. Movimentos revolucionários se preocupam mais com como fazer do que o que se resultará daquilo.
    Russel Kirk ilustra bem o que pensa ser um conservador quanto a essa oposição ao progresso ou a mudanças imprudentes. Conta que uma pessoa disse (não sei se a ele ou a outra pessoa) algo como "o relógio não anda para trás", não adianta insistir em um mundo bom que já passou. O conservador lhe respondeu calmamente "decerto, e nem se pode adiantá-lo".


     Penso que uma forma de se identificar um bom conservador na política seja perguntar-lhe "Se você fizer as mudanças a que se propõe, o que vai fazer da vida? Em que vai trabalhar? Como vai aproveitar seu tempo? Onde vai morar?" E se responder que a política é uma luta constante, "E se chegar no momento em que se tem que passar o bastão?". Se ele conseguir responder satisfatoriamente essas perguntas, é por que compreende que a melhor vida é uma vida simples, a política é um mal, e não um objetivo de vida.

Tenham um bom dia!

domingo, 5 de julho de 2015

Reflexão com o meu cachorro: negação de si mesmo

    Estava hoje a dar um pão para o meu cachorro Toddy. É uma boa oportunidade para ensinar truques para ele; ultimamente, para revisar aqueles que eu já ensinei - infelizmente, ele já está com alguns problemas de saúde e, talvez, ficando um pouco velhinho, então os mais complexos ele demora um pouco para executar e já não tem energia para pular de um lado para o outro de um bastão horizontal...
     Um dos truques que meus pais acham muito legal é o "fica", com lógica parecida com o "não". Eu faço ele sentar, mostro o pão e digo "não", de modo firme e, se preciso digo outra vez. Depois eu posso deixar o pão no chão, posso jogar para um lado, posso deixar do lado dele e ele não come. Fica na posição sentado; e nem olha para o pão. No "fica", ele fica sentado enquanto eu ando de um lugar para o outro da garagem e ele não pode se mexer. Alguns poderiam dizer que estou tratando o Toddy como um... Meio ou algo assim; pois eu faria ele passar vontade até permitir que ele coma o pão.
     Primeiramente, obediência não significa que o "superior" desprestigie ou objetifique o subordinado, o que há é uma divisão dos papéis tendo em vista, normalmente, a assimetria de informações - não é possível que todos façam/saibam tudo. Um exemplo bastante simples que indica que obediência não necessariamente implica em subjugação, em opressão, é o do paciente que obedece às orientações do médico mesmo que muitas vezes não entenda todo o processo biológico e químico envolvido. Obediência significa saber escutar, em um sentido mais literal. Os filhos obedecem os pais por reconhecerem que eles têm mais experiência e querem o melhor para os filhos (há leis naturais envolvidas e em um momento os filhos se tornam independentes, mas não vou aprofundar isso); o empregado obedece o patrão por este estar encarregado de um cargo de gerência, de planejamento do todo, enquanto o empregado executa uma tarefa específica.
     Em posições em que há obediência, pode-se dizer sem entrar em exceções que o bom subordinado é aquele que ouve o que diz o seu chefe, que procura executar da melhor maneira, que tenta entender aquilo que o chefe quer, embora nem sempre diga. No entanto, ao se lidar com seres humanos, se lida com sujeitos livres, capazes de não agir por mera preguiça, por não fazer por pura maldade, mas também por agir apesar da preguiça e fazer apesar de beneficiar a alguém a quem não se gosta. Ou seja, os homens são pessoas que possuem desejos próprios, não são computadores que simplesmente executam as atividades se assim lhes permitir o engenho e a arte.
     Os seres humanos também não se limitam a obedecer a pessoas, mas a fins ou valores. A relação não é a mesma, é uma obediência mais metafórica: uma pessoa que valoriza sua saúde irá obedecer a regras que lhe deem saúde ou a mantenham; uma pessoa que valoriza a família irá agir de modo a atender aos deveres familiares, tentando executar ao máximo sua função compreendendo os anseios desse grupo de pessoas. Observe que um bom pai de família irá agir como se se sujeitasse aos deveres familiares.
     O que isso tem a ver com o meu cachorro? Quando ele vive o dilema de (tentar) comer o pão ou não, ele está vivendo uma luta entre a obediência e a satisfação imediata de seus próprios prazeres. No fundo, isso é um fortalecimento de si mesmo. No caso dos seres humanos, ao servirem a alguém ou a algo, eles costumam viver o mesmo dilema: eu ou o outro, eu ou minha família, eu ou a sociedade. Eu, pessoalmente, acordo pensando se devo continuar um minuto na cama ou se devo levantar; e muitas vezes vou dormir apesar de querer fazer outra coisa (para que eu durma bem e possa fazer outra coisa em horário mais propício). O dia inteiro passo nessa briga comigo mesmo. Nesse dilema entre pegar o pão ou esperar que me seja permitido fazê-lo.
     Há pesquisas e experiências apontando que o ser humano tem mais ou menos uma quota de capacidade de lutar consigo mesmo. Imaginem os jogadores de RPG uma barrinha de SP (ou MP ou mana) que vai se consumindo conforme se luta contra algo; imagine que seja uma barrinha que se regenera lentamente durante o dia e se recupera totalmente enquanto dorme. Há quem diga que deve-se lutar contra si mesmo de modo a tornar eficiente esse consumo de fortaleza, que se deve permitir alguns prazeres para se poder efetuar sacrifícios maiores. De fato, o estresse com o estudo em época de provas, por exemplo, consume uma quantidade anormal desse atributo e faz com que o estudante queira descontar em comida, para citar um exemplo.
    No entanto, o que defendo aqui é que essa barrinha de fortaleza pode ser treinada. Podemos nos treinar a negarmos a nossos prazeres imediatos tendo em vista nosso fortalecimento como pessoas. Treinar o autocontrole. E esse treinamento dá-se mesmo com pequenas coisas, como recusar comer um chocolate após o almoço (ou aguardar a ordem para comer o pão). É pela ação de negar a si mesmo que se pode buscar algo maior; e nesse sentido a luta começa dentro de nós, pois quem não pode se autocontrolar dificilmente poderá controlar uma grande nação de modo apropriado.
   

sábado, 27 de junho de 2015

Sobre a decisão da suprema corte sobre "casamento homossexual"

Link para ajudar a se informar:
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/06/suprema-corte-dos-eua-aprova-o-casamento-gay-nacionalmente.html

     Bom, pessoas, vou me posicionar sobre a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos que determinou que o casamento homossexual deve ser legal em todo o país. Já afirmo desde agora que sou contrário a isso por alguns motivos que irei expor abaixo. Isso envolve não só minha posição contrária ao instituto em si como também ao modo como ocorreu. Não é meu desejo provocar ira das pessoas, então se não está a fim de ler esse tipo de opinião sugiro que feche a página. Como é meu desejo não provocar raiva, também tentarei evitar provocações.


     Pois bem, o que considero um casamento?
     Casamento é uma relação de comprometimento entre um homem e uma mulher fundada no amor recíproco e exclusivo visando a reprodução.
     Amor - amor não é um sentimento, é uma entrega. Quem ama se entrega ao objeto de amor. Há amores diferentes conforme o tipo de relação que inspiram: o amor amizade, o amor fraternal, o amor filial, e, é claro, o amor matrimonial.
     No caso do amor do casamento, há uma relação de exclusividade, mesmo que uma pessoa tenha amor por várias pessoas e possa vir a se casar com qualquer outra, quando ela escolhe uma, ela abre mão de todas as outras. A escolha de uma pessoa exclui a escolha de outras pessoas.
     O amor, no casamento, deve ser recíproco. Não só o homem deve amar de tal modo sua mulher, e nem só a mulher deve amar o marido. É preciso de um amor mútuo.
     O casamento se caracteriza, assim como seu amor correspondente, pela finalidade da procriação, ter filhos. Daí o casamento só é possível entre homem e mulher.
     Por fim, o casamento é um ato de comprometimento. Isso significa que requer racionalidade (e tanto do homem quanto da mulher; também daí se conclui que não é possível propriamente um casamento entre dois animais irracionais, ou entre um homem e um objeto, ou entre um homem e um animal) - pois só seres racionais podem se comprometer a algo; e significa também que não é preciso que os quesitos acima estejam presentes materialmente durante toda a relação; é possível que o amor diminua, e mesmo que suma em alguns momentos, ou que a exclusividade seja quebrada; porém pelo comprometimento não há necessariamente daí a quebra do casamento.
     O casamento religioso cristão exige algumas coisas a mais, como há uma solenidade e uma união também envolvendo aspectos espirituais. Mas esse não é o foco desse texto.

     Assim, considero que o casamento não é um conceito jurídico, embora o direito use essa noção de casamento.
     O direito pode atribuir ao casamento algumas consequências, como questões de herança, sobre uso dos bens comuns etc.
     Aqui, minha primeira opinião por que sou contrário à decisão da Suprema Corte: não existe casamento homossexual, é uma ideia paradoxal. Isso não significa que homossexuais não podem se relacionar. Também não significa que o direito não pode atribuir consequências como as do casamento à união entre pessoas de mesmo sexo (ou em uma relação poligâmica).
     Pessoalmente, acho que o direito deveria abolir a instituição do casamento, e tratar essa relação e as semelhantes como "união estável" ou algo assim. Percebe-se aqui que meu problema aqui não é com o que de fato ocorre, mas com o uso do termo de modo errado.

    Minha segunda crítica à decisão fundamenta-se na interferência do poder central sobre os entes da federação. Nós do Brasil podemos encontrar alguma dificuldade em compreender como funciona o federalismo norte americano, uma que o federalismo do Brasil é um federalismo de fachada. Como existe uma forte independência dos estados entre si e entre os estados e o governo central no federalismo de verdade, o tribunal federal poderia apenas julgar questões envolvendo normas que se apliquem a todos os estados, como normas constitucionais.
     A questão do "casamento homossexual", ao meu ver, não se enquadra como matéria que deve ser avaliada por todos os EUA, mas sim em cada estado. Pode-se argumentar que se trata de direitos ou liberdades dos indivíduos, no entanto não vejo assim. Se entendido o casamento como eu entendo, não há de se falar de "casamento homossexual" assim como não há de se falar de "direitos trabalhistas do empregador", então se afasta a ideia de igualdade no caso. Como não se discute se os homossexuais podem morar juntos, terem relações sexuais, namorar, então não se envolve a liberdade individual.
     A decisão em questão foi arbitrária, no sentido que se intrometeu em questões que devem ser resolvidas no âmbito estadual, essa é minha segunda crítica.


Ok, pessoal, espero que tenham entendido os meus pontos, sintam-se livres para me criticar.
Tenham um bom dia!

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Tudo é política... Exceto a religião

     Recordo-me do que certa vez meu professor de geografia do ensino médio disse: todos são políticos. Todos os atos são atos políticos. Em uma clara afronta à separação liberal (que ganhou força com o liberalismo, não que já não existisse antes) da separação entre o público e o privado, hoje (quase) todos os assuntos são políticos.
      Quando você escolhe o que comer, está realizando uma escolha política. Vai comer o prato vegetariano? Ou vai comer um "fast food" americano?
      Ou ainda o que vestir: Qual a marca da sua roupa? Em quais padrões ou grupos sociais ela se enquadra? Que ideia você quer passar (ou simplesmente passa) com ela? Se é mulher, é uma roupa decotada? Será que você se veste assim por culpa do patriarcado?
      Será que é melhor ir comer um churrasco (e comer carne, portanto), ou ir a um shopping (as "catedrais do consumo"), ou a um bar de elite ou de esquina?

      Estamos perdendo a diferença entre governo e sociedade, entre o que é político em seu sentido mais estrito e o que tem efeitos públicos. Nem tudo que gera efeitos para toda a sociedade deve ser alvo de discussão sobre regulação ou sobre medidas do governo. Por mais que a discussão sobre qual o tipo de roupa uma pessoa deve usar tenha efeitos públicos, se trata de uma discussão do campo privado: a pessoa escolhe a roupa que ela quer. Proibições estatais nesse sentido são totalitárias, são uma clara intromissão do estado na vida pessoal.
      O que é político tem uma relação muito próxima com o governo, com a gerência da máquina estatal. O político cuida de questões públicas, e não de questões privadas. Por mais que usar determinado tipo de roupa favoreça a tal "opressão machista", essa é uma escolha do âmbito privado, e a escolha da roupa não pode dar-se por coação (refiro-me à coação que se fundamenta em última análise na violência, e não um "olhar feio").

      Estamos chegando em um ponto em que as organizações a favor de causas "políticas" X podem defender também causas "políticas" Y. Um grupo pró vegetarianismo pode combater o consumismo de sapatos e é visto quase com naturalidade.
      O único limite real para a fuga dos propósitos do grupo é uma crítica que vem de dentro do próprio grupo. Ninguém vai dizer que há um abuso da função de um grupo que protege crianças e adolescentes quando este grupo se posiciona contra o racismo, apenas alguns membros que digam que, mesmo que seja defensável, pode começar a desviar dos propósitos do grupo.

      A única exceção de tudo isso ocorre quando se envolve a religião. O estado é laico, portanto padres e pastores não podem se posicionar sobre determinado tema. A religião é de cada um, para ser exercido de preferência dentro de portas fechadas. Uma manifestação religiosa em ambiente público pode facilmente ser vista como uma afronta à liberdade dos outros (não por todos, felizmente).
      Um grupo feminista pode facilmente defender que o aborto não seja crime, mas uma religião não pode defender que o aborto deve ser crime, pois isso viola a laicidade estatal, mesmo que o argumento seja de que o aborto é um homicídio qualificado, e nisso não envolva necessariamente nenhum critério espiritual.
     Nem mesmo precisamos ir tão longe. Não é preciso que uma religião se posicione sobre algo para haver problema. Um grupo religioso não pode se posicionar sobre várias discussões políticas. Já que o foco do grupo é o credo, que é algo individual - segundo dizem - então não pode ficar se metendo a falar sobre política sobre, por exemplo, se uma pessoa que irá ocupar determinado cargo pode se comportar de modo tendencioso contra opiniões defendidas pela religião defendida por tal grupo. Enquanto isso, um outro grupo qualquer, mesmo que tenha o foco a defesa de determinada "questão social" pode dar seu apoiou (ou sua repulsa) a qualquer outra questão social sem grande polêmica.
      Mesmo assim, é inegável que qualquer escolha, mesmo que religiosa é uma escolha "política". O ponto é que muito dos que querem que tudo seja alvo de discussão política não querem que a religião possa entrar nessa discussão. Um estado laico não é o que impede qualquer posicionamento religioso ou com fundo religioso ou por entidade religiosa (ou seja, laico não é ateu); mas sim que não segue necessariamente uma religião específica e se abre para várias religiões poderem se expressar livremente. Uma forma simples de pensar em o que é um estado religioso é pela seguinte analogia: O estado brasileiro é um estado voltado para o rock? Se propõe a apenas ouvir o rock, apenas tocar o rock e apenas incentivar o rock? Dizer que não não implica que o estado é contra o rock. Da mesma forma, dizer que um estado é laico não é dizer que ele é contra a religião.

Obs.; quanto a argumentos, acho que um estado laico não pode aceitar como argumento político um argumento puramente religioso (como "a bíblia diz X, portanto..." - note que trato especificamente de um argumento religioso, não qualquer argumento moral, p. ex.), porém religiões e entidades religiosas podem apresentar argumentos não religiosos - como, por exemplo, que a vida surge com a concepção ou que deve ser protegida desde a concepção por já estar suficientemente individualizada.

Uma boa tarde a todos.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

A culpa é da sociedade! - ou A natureza corrompida humana

     Há talvez, dois extremos sobre como se pode pensar sobre um fato atual: a primeira parte do pressuposto: a primeira é partir do ponto de vista de que o ser humano é bom, o estado natural é a abundância, paz e respeito; a segunda é partir do ponto de vista que o ser humano vive uma natureza má, vingativa, egoísta, "com mais crimes na consciência do que coragem para admiti-los, pensamentos para concebê-los e tempo para executá-los". É claro que é possível ter posições intermediárias entre esses dois aspectos.
     Na postagem de hoje gostaria de chamar atenção para uma justificativa que considero pouco plausível, embora presente: a de que a culpa de muitos problemas é da sociedade, ou, em um sentido mais amplo, do meio em que a pessoa cresce. É fato que o meio tem um papel importante na formação de um indivíduo. Famílias desestruturadas, abusos cometidos na infância, o mal exemplo de adultos, pode influenciar negativamente os comportamentos futuros de uma pessoa.
     Para citar um pensador com uma visão diferente da minha, mas que chegou em uma mesma conclusão, Sarte disse "O que importa não é o que fizeram conosco, mas o que fazemos com o que fizeram conosco".
     Por essa frase, entendo que crescer em um meio ruim não significa que a pessoa se isenta de qualquer responsabilidade sobre suas ações. Existe algum espaço de liberdade, de autodeterminação na vida das pessoas.
     Da mesma forma que uma pessoa que cresceu em um ambiente negativo para suas condutas sociais pode se tornar uma boa pessoa, outra pessoa em um bom lar, teve bons amigos etc. pode se tornar uma má pessoa. Daí seja possível concluir que o meio não é fator determinante.
     Em situações normais (há situações em que o meio exterior exerce uma força inescusável, inevitável sobre a forma que outra vê o mundo), a culpa não é exclusiva do meio; na verdade há um componente individual que permite, mesmo que custosamente, tomar uma ação boa e evitar uma má.
      Desse raciocínio eu concluo que o que existe um componente intrínseco ao homem que o conduz ao mal (e outro que o conduz ao bem), o que nós, cristãos, chamamos de pecado original.
      Isso sem mencionar o muito falado paradoxo em que se o ser humano fosse totalmente bom, de onde viria o mal?

     Talvez seja interessante voltamos a pensar que a culpa é inicialmente do indivíduo, embora o meio também seja um forte incentivo.

sábado, 16 de maio de 2015

Reflexão #1 Não ter medo de crer na bondade

      Vou começar um tipo novo de postagem. Irei trazer alguma reflexão sobre algo mais "light", normalmente com base em alguma frase que fica na minha cabeça. Começando por uma frase que lembro que apresentei já faz algum tempo.

Só por hoje não terei medo de nada. Em particular, não terei medo de gozar do que é belo e não terei medo de crer na bondade.

João XXIII
      Em especial, a parte em itálico: "não terei medo de crer na bondade". Por algum motivo, essa frase ficou marcada na minha mente. Num mundo em que temos a impressão de ver tão pouco amor entre as pessoas, em que esperar do próximo uma boa ação parece um delírio de uma criança, ressoa em minha mente que não posso perder a esperança. Ainda existem pessoas boas no mundo, que querem nos ajudar simplesmente por amor. E essa ajuda só é possível se aceitarmos sermos ajudados.
      Talvez soba desconfiança e o medo esteja um problema mais profundo: o nosso desejo por independência: queremos, muitas vezes, resolver nós mesmos todos os nossos problemas. Muitas vezes o problema precisa de ajuda, ou um auxílio pode nos ajudar enormemente a resolvê-lo. Muitas vezes nosso solipsismo em lidar com um problema resulta em um problema ainda maior: além de não o resolvemos, o pioramos.
      Nesse sentido, a primeira lição é a humildade: o homem precisa do próximo. Muitas vezes não o merece, mas mesmo assim é ajudado. Muitas vezes não podemos resolver o problema sozinho, mas ele é resolvido.
     Uma segunda lição é a tentativa de vivermos em um mundo mais fraterno: mesmo que não tenhamos força para ajudar a quem odiamos, talvez possamos ter força para aceitar a ajuda, quebrando assim um círculo vicioso de ódio. Algo que sempre admiro é a possibilidade de alguém que se acha desprezado ser valorizado por um simples ato.


Boa noite a todos.

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Desabafo: movimento negro na faculdade

     Caros leitores, caras leitoras, estou fazendo essa publicação em uma situação mais emergencial por conta de eventos recentes que ocorreram. Primeiramente, trarei fatos. Pode ser que sejam fatos por uma única perspectiva, e provavelmente são, no entanto não tira totalmente a objetividade dos eventos.

Dados:

      O Centro Acadêmico (CA) e possivelmente outros grupos estudantis da universidade organizaram um evento a favor das cotas na universidade. Ao lado está uma cópia da parte final da descrição do evento.
      Houve um processo deliberatório do qual não houve ampla divulgação. Eu mesmo não soube que ia ter assembleia para a discussão do tema e, ao que parece, foi realizado em horário em que algumas pessoas tinham estágio. Não estou aqui responsabilizando ninguém e nem pretendo neste ponto criticar a legitimidade da assembleia. Não sei como ocorreu, mas só posso dizer que eu não fui informado.
     Após a deliberação dos alunos pela adesão, o CA enviou um pedido ao diretor para que a possibilidade da organização do evento em horário de aula. Desconheço os termos exatos do documento, mas ele foi entregue e, aparentemente, aceito.


     Os alunos não foram informados se haveria aula hoje, dia em que ocorreu a paralisação. Ao conversar com um professor, fiquei sabendo que ele também não sabia se iria ter aula, isso dependeria dos alunos. Outro professor, muito querido por muitos alunos, andou até o corredor para se deparar com a situação de bancos obstruindo os corredores das salas de aula com cartazes escrito "Tá difícil de entrar?", em uma possível analogia à pouca quantidade de negros na faculdade. Cartazes com as mesmas palavras foram postos nas portas das salas de aula, como é possível ver na imagem ao lado. Na frente das salas havia cadeiras escolares obstruindo o caminho.
     O segundo professor aparentava não saber que não haveria aula. Ele acabou liberando os alunos da aula no final após algumas expressões que interpretei como desgosto. O primeiro professor e outro que iria dar aula para minha turma estavam lá sem saber se iriam dar aula ou não. O terceiro professor disse que ele iria dar aula casos os alunos quisessem, pois não considerava que era obrigatória a participação no evento. Após alguma discussão, deliberaram que não o fariam.
     Alunos ligados ao movimento diziam que a aula seria a discussão das cotas, que os alunos não foram informados de que não haveria aula normal para que todos participassem.

      Também durante a discussão se iríamos ter aula ou não apareceu a bateria da faculdade para tocar em frente das salas. Isso já estava acontecendo antes em outro corredor, mas vieram no corredor onde estava ocorrendo a discussão no momento em que estávamos discutindo.
      Outras informações: dentro da sala onde eu teria aula as cadeiras estavam totalmente desorganizadas, obstruindo por dentro a entrada de alunos. Não foi apenas uma desorganização por fora da sala, mas também dentro. Se eles vão recolocar as cadeiras nos lugares de forma organizada não sei. Essa foto eu vou postar depois, quando a passar para meu computador.


Opinião

     Espero ter descrito de forma bastante objetiva os fatos. Alguns detalhes ou apontamentos de minha parte indicam uma perspectiva que já tenderá para minha opinião sobre o tema, no entanto, não são fatos inventados, assim considero que os apontamentos foram objetivos nesse sentido.

1
    O posicionamento do Centro Acadêmico foi feito  sempre com ênfase em ser da "Gestão Polifonia". Inclusive é a Polifonia que faz "coro" à manifestação. Para quem não sabe, a Polifonia foi uma das chapas a concorrerem para a eleição da diretoria do CA. A minha chapa foi a chapa contrária, é bom destacar, para que os leitores ou as leitoras possam me acusar de ser parcial nesse ponto - espero que não me acusem antes de compreender meu raciocínio:
     Há aqui, ao meu ver, uma falta de separação entre a Polifonia e o Centro Acadêmico. Quem se posiciona para a manifestação, para dizer a opinião dos alunos é o CA, e não a Polifonia. A Polifonia não foi eleita para ser o CA, mas sim para geri-lo. A partir do momento que a Polifonia venceu a eleição, os dirigentes passam a responder como gestores do CA, eles não mais falam em nome da Polifonia, mas do CA. Da mesma forma, nas eleições para presidente, o candidato que venceu passa a não mais falar em nome do partido, mas em nome do Brasil (como chefe de Estado) e como chefe de governo. A Dilma não deve dizer "na gestão PT" ou "assim, concluo que o PT está incentivando políticas a favor dos pobres", mas sim é a sua gestão, é o Brasil, o governo brasileiro, e não mais o partido que a elegeu.


2
     Já disse certa vez que a democracia ocorre quando há igualdade na liberdade. O que eu penso que deve ser a democracia é algo análogo a um shopping: os amigos não precisam escolher aonde todos irão comer, mas podem cada um comprar o que prefere e depois se sentarem juntos na praça de alimentação. Não é democracia a mera imposição da vontade da maioria dentro de determinados valores: há várias comidas lícitas, não é democrático impor a vontade da maioria de comer em um lugar se há a possibilidade de cada um escolher o seu restaurante. O desrespeito à liberdade individual de escolha em uma democracia implica na corrupção do próprio modelo, levando a algo que chamo de socialismo, mas isso é assunto para outra discussão. Por essa questão da liberdade, vejo como impróprio o uso de palavras derivadas de democracia para gestão em empresas, por exemplo, em que é preciso que os indivíduos cumpram determinadas funções.
      O movimento quer ser democrático, quer ter "democracia racial" seja lá o que isso signifique. Impedir as pessoas de assistirem a aula se elas têm esse direito não é democrático. Democracia repousa na possibilidade do aluno decidir se ele quer a "aula dentro da sala de aula" ou a "aula fora da sala de aula". Ao menos que houvesse sido pré-determinado que naquele dia só haveria a aula fora da sala de aula, é um desrespeito aos alunos o impedimento de se assistir a aula. Os professores não sabiam como seria a manifestação, não sabiam se iriam dar aula ou não, isso só confirma a impressão de que não estava pré-estabelecido que a única atividade prevista para o dia seria a paralisação (parece (e é) paradoxal dizer atividade = paralisação).


3
     "Se queremos justiça temos que fazer justiça". Apresento-lhe o Código Penal:
Exercício arbitrário das próprias razões
Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:
      Talvez quem escreveu isso não tenha pensado em fazer justiça pelas próprias mãos no sentido literal, e sim que fazer justiça racial era realizar um evento em que se discuta a política de cotas ou que "fazer justiça" seria criar uma política de cotas (nesse caso, a conjugação para primeira pessoa do plural parece inapropriada, ao menos que a pessoa seja uma política ou uma diretor que tenha poder de instituir essa política de cotas). Isso não me importa, estou criticando o que foi escrito, e não a pessoa, e não o que foi pensado.
      Tem uma jornalista muito conhecida que disse, a respeito de jovens que fizeram justiça com as próprias mãos, que a conduta era até compreensível uma vez que a segurança no Brasil é tão falha. Ela não disse que a conduta era justificada ou que era correta, mas que é possível compreender a psicologia de comportamentos como esse. Coisa mais grave é não a mera compreensão de atos que querem fazer justiça com as próprias mãos, mas sim fazê-lo.
      Uma afirmação como essa: "Se [NÓS] queremos justiça[, NÓS] temos que fazer justiça" indica uma desconfiança em quem não pertence ao "nós". Seja lá quem for o "eles", provavelmente pessoas que tenham o poder para mudar a situação mas não o fazem, há aí um risco de se cometer injustiças em nome da justiça, que é o risco próprio do exercício arbitrário das próprias razões, o risco de se pôs no lugar do juiz, do promotor e do policial, tudo de uma vez. Perdoe-me se não foi isso o que essa pessoa quis dizer, mas isso não se dirige a ela, mas sim à ideia.


4
      Uma vida em sociedade, uma vida moral, uma vida política, exige a relação com o outro de forma respeitosa. A ideia de alteridade repousa na consideração do outro como ser humano, como um ser capaz de realizar escolhas, de se autodeterminar, que merece respeito por si mesmo. Não basta não fazer o mal ao próximo para haver alteridade, é preciso que se queira o bem do outro.
      O desejo de atrapalhar o outro por atrapalhar, cometer crimes por cometer crimes, de fazer sofrer por fazer sofrer etc. é algo muito abaixo de qualquer noção ética de alteridade. Pessoas que fazem barulho para atrapalhar estão agindo sem qualquer comprometimento ético. No caso, o barulho feito pela bateria foi motivada para atrapalhar pessoas que quisessem aula ou foi feita para a simples manifestação? A linha é tênue, mas parece-me que há algo errado quando a manifestação dá-se em frente a salas de aula.
      Nem precisamos ir longe, fazer barulho em um local em que há um assunto sério a ser discutido, como se vai ter ou não aula, é um desrespeito tremendo com quem está conversando. Foi intencional? Não sei, pode ser que tivesse sido programada para que naquele momento a bateria passasse na nossa frente, e se essa foi a situação, desculpo os envolvidos. Caso contrário, os perdoo caso eles achem que agiram mal.


5
     Se foi verídica o fato de que os alunos não foram avisados de que não haveria aula PARA que eles viessem e participassem da paralisação, então há uma total violação da boa fé. Não sigo que foi ou não proposital, espero que não tenha sido. No entanto, uma regra moral que qualquer pessoa pode compreender (talvez psicopatas sejam a exceção - não digo que foi o caso, creio que os envolvidos saibam dessa regra, mas acabaram esquecendo no calor do momento) é a de que a outra pessoa não pode ser usada como meio: não é legal você manipular os outros.
     Uma coisa é dar incentivos para que os outros façam determinada coisa, outra coisa muito diferente é enganá-las para que elas ajam de determinada forma. Enganar alguém indica uma total perda de valores morais. Discutir se pode ou não mentir para salvar uma vida é uma coisa (eu ainda discordo, mas é uma discussão interessante), outra coisa é mentir para outra pessoa fazer algo que você quer. Não compreender essa diferença é perder noções éticas basilares para o convívio em sociedade. Significa que o outro não tem valor como pessoa, não tem a mesma dignidade que o mentiroso, significa que você pode enganá-lo por ele ser inferior a você. Por isso, pedir desculpas nessa situação é tão valioso: se desculpar é dizer que o outro é digno e que você não deve fazer dele um mero instrumento.
     Não estou aqui pedindo para os outros de desculparem. Cada um que faça o que acha correto. Só digo que eu me senti desrespeitado enquanto ser humano. Não me importo se vou receber um pedido de desculpas ou não, estou muito acima disso. Se quiser se desculpar, eu o desculpo; com toda a sinceridade de meu coração eu o desculpo, mas não irei mendigar por reconhecimento, eu tenho valor por mim mesmo (posso ser chamado de "filho de Deus", que dignidade maior do que essa eu preciso?).


6
     Vários pontos levantados pela esquerda e por movimentos revolucionários precisam do ódio. O amor não gera revoluções, somente o ódio. Não é ódio a ideias, é ódio a grupos. O amor só pode ocorrer dentro do grupo de revolucionários (preferencialmente nem aí). O ódio separa nós x eles. Os absolutistas x a revolução francesa; os burgueses x proletários; ricos x pobres. Não existe meio termo. Ou é amigo ou é inimigo, ou está com eles ou está contra eles.
     "Só um sith pensaria assim" disse Obi-Wan Kenobi quando Darth Vader lhe disse "Se você não está comigo, então é meu inimigo" (as frases foram trazidas pela minha fraca memória, peço perdão se errei os termos precisos).
     Uma mentalidade dicotômica, que só pode enxergar o preto e o branco é totalmente fora da realidade. Mesmo que muitas vezes seja preciso realizar essas reduções, elas se tornam perigosas quando são usadas para separar amigos de inimigos. Note: não é para separar ações boas ou más, é para separar amigos de inimigos, partidários de opositores.
     Meu temor é que do ódio nasça mais ódio. Não é questão de justiça, equilibrar o mal com o mal (às vezes, infelizmente, necessário), é questão de ódio, de querer destruir e eliminar seu opositor. O ódio é fechar-se contra qualquer coisa que critique sua posição. O nazismo era recheado de ódio pois o ódio fez de muitas pessoas cegas, fez com que seus atos monstruosos fossem atenuados pelo puro ódio propagado.
      Há pessoas de direita que querem ajudar pobres, negros, e outras minorias. Fazem isso por amor. "Eu amo o pobre, por isso tento ajudá-lo". "Eu amo o negro, por isso tento ajudá-lo" (não entender aqui "negro" como conceito holístico). Mas a esquerda vem se caracterizando por ajudar as ditas minorias não por amor a elas, mas pelo ódio contra os inimigos da direita. Por querer não só o retorno a uma igualdade rousseauniana utópica e falsa em que todos eram bons e viviam plenamente, mas a eliminação daqueles que supostamente lhe tiraram o paraíso em que todos eram iguais.


7
     Enquanto as pessoas a favor da paralisação colocavam faixas e cartazes sobre as portas, uma funcionária, muito gentilmente disse que iria destrancar as portas. Não iria deixá-las abertas, apenas destrancá-las por esse ser seu dever e serviço. Isso foi aceito pelos alunos. Qual é o pressuposto da conduta de destrancar uma sala de aula de uma faculdade pública? Parece-me que é abrir a possibilidade de quem quiser ter aula, que a tenha. Daí deduzo que há aos alunos, se não um direito a aula (pois não há aí um dever do professor em dar aula caso ele adeira à paralisação), no mínimo o direito de circulação. No mínimo, destrancar as portas de uma universidade pública implica em abrir a possibilidade de quem quiser entrar na sala poder entrar.
      As funções das faixas, cartazes e cadeiras em frente às salas é o oposto: impedir, imediatamente, que alguém entre, e, mediatamente, que se dê aula lá dentro. Se alguém (não exatamente eu, embora esse comportamento me tenha sido implicitamente imputado) tirar os obstáculos e entrar na sala, ficando lá sozinho, por exemplo, será acusado de estar agindo contra o trabalho feito pelos manifestantes. Perdão se estou errado, mas o que está errado é obstruir um caminho que deveria ser livre. Remover cartazes, faixas e cadeiras (não os destruir) é um desforço (há a força e o desforço) contra a limitação injusta de um direito legítimo. Então quem está errado é quem lá colocou os obstáculos. Se uma pessoa tivesse destruído, rasgado, quebrado, poder-se-ia dizer que houve um desforço além dos limites lícitos, pois o desforço deve ser feito até o ponto necessário. Rasgar cartazes ultrapassa, ao meu ver, do necessário.
     Colocar obstáculos ilegítimos e ainda brigar com alguém que os ultrapassou é uma perda de noções de liberdade.


8
     Criancinhas pequenas são ensinadas que se deixaram algo cair, elas devem catar. Se elas sujarem, devem limpar. Se elas ofenderem, devem se desculpar. Tratam-se de noções básicas de responsabilidade: Você pode fazer bagunça, contanto que a limpe depois.
     Não estou afirmando que isso vai acontecer, mas SE as pessoas organizadoras do evento realizam o trabalho de moverem cadeiras de um andar para outro, de obstruírem portas (tanto por dentro quanto por fora), de bloquearem corredores, colarem cartazes e estenderem faixas fizerem tudo isso e não reorganizarem a bagunça, então terei dúvida sobre a responsabilidade que essas pessoas têm.


9
     Pergunto-vos, caros leitores e caras leitoras, o que se pode dizer de alguém que é contrário às cotas? Que é mau? Que é elitista? Que é branco ou rico? Que é feio? Pois bem, e vos pergunto em seguida o que se pode dizer que alguém que é favorável às cotas? É bom? Pobre? Negro? Minoria? Bonito/a? O que vos respondo é o seguinte: Tudo o que posso dizer de alguém que é contrário às cotas é que essa pessoa é contrária às cotas. Tudo o que posso dizer de alguém que é favorável às cotas é que ela é favorável às cotas.
     Não forneci dados de quais são os argumentos da pessoa, de quais são seus defeitos e qualidades, de quais são suas condições sociais, econômicas, étnicas. Dizer que quem é contrário às cotas é ____ ou que quem é favorável às cotas é ___ é uma generalização indevida, é criar homogeneidade onde não há homogeneidade. Você pode até falar que quem é favorável a X tem TENDÊNCIA a ter características Y e Z, mas que "É" Y e Z é um erro de intelecto que acarreta o ódio que falei acima. Quando não se consegue separar pessoas de suas ideias estamos diante de um fanatismo.
     Então critico pessoas que dizem que aqueles que são favoráveis a cotas são assim ou assado, ou que que quem não é tem tais características ou que aquele que quer ter aula é racista ou que aquele que não quer ter aula tem tais adjetivos. Perdoe-me se ofendi alguém, minha intenção não é essa, mas cresça e pense como alguém maduro. Não venha me acusar (sim, sou contra cotas, já podem me trucidar) de ser insensível ou egoísta ou racista que seja, você aprenda a não rotular alguém a partir de uma opinião (não que as pessoas que digam isso o façam pensando em criticar a cada pessoa).


10
     Não sei se alguém disse isso, mas creio que muitos pensem: "É dever de todos os estudantes da faculdade aderirem à paralisação".
     Meus caros, a paralisação é claramente favorável à política de cotas. Se há ali um estudante contrário às cotas, ele ainda assim tem o dever de aderir à paralisação? "Sim, ele tem que discutir e apresentar seus pontos de vista". Então esse estudante é obrigado a ir a um evento que tem um pensamento contrário ao seu só para expressar sua opinião e ser adjetivado de forma negativa, mesmo que apenas mentalmente? Se você gosta do Palmeras, vá para o time do Palmeras e discuta com quem quer discutir, mas não obrigue o Corintiano a ir para o seu time e para discutir com você sobre futebol dentro de um evento do seu time.


Últimas palavras

     Pode ter sido notado que não falei argumentos envolvendo a política de cotas. Apenas me posicionei contra e apenas isso. Isso ocorreu por um motivo simples: isso é um desabafo, meu desabafo não é a respeito de discussão sobre cotas, mas sim sobre o desrespeito que senti. Não é sobre a materialidade da discussão, mas se havia espaço para discussão. Não é se as cotas eram democráticas, mas se a forma com que se quis chegar à discussão foi democrática. Não se as cotas são medidas morais, mas se o contexto que se deu a discussão foi.
     Admito que me surpreendi negativamente com o comportamento de certas pessoas da faculdade. Temo que a faculdade que frequento venha a ser "mais uma", em que os estudantes pensam que podem mudar o mundo, que podem impor suas vontades e que os fins justificam os meios.
      Onde há respeito pela liberdade há democracia. Onde há democracia há respeito pela liberdade. Antes de se falar em democracia para fora deve ser democrático dentro, e, ao meu ver, isso está longe da realidade.


Tenham uma boa tarde, agradeço-lhe pelos ouvidos (olhos, no caso).