sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Salvar o policial ou o traficante?

     Finalmente, uma opinião minha que difere da maior parte do pessoal considerado de "direita". Isso não significa que eu concorde com tudo o que a "esquerda" diz. Vamos lá.
     Contextualizando de forma bem resumida, em um programa, a Fátima Bernardes perguntou a vária pessoas quem eles prefeririam salvar, um traficante bastante ferido ou um policial levemente feiro. A maioria escolheu salvar o traficante ferido. Isso gerou alguma polêmica. O pessoal mais de direita disse que, de fato, em uma situação normal, se escolhe tratar a pessoa mais ferida, em quadro pior, porém no caso há a complexidade de haver uma pessoa benéfica à sociedade e outra prejudicial. Não se pode ver o traficante como uma "vítima da sociedade", mas uma pessoa que faz ações prejudiciais, que desrespeita a autoridade estatal, que ajuda a aumentar problemas sociais de criminalidade e violência, que lucra sobre vícios. E o policial também não pode ser visto como um opressor, um cara que trabalha para proteger os interesses das elites, contrários aos interesses das minorias.
     Algo que chama bastante atenção nessa discussão toda foram dois sujeitos fardados que fizeram um vídeo perguntando se, em vez de um traficante, fosse um estuprador, por exemplo, que não goza de uma visão tão romantizada na sociedade. Perguntam e se a apresentadora fosse escolher quem salvar e fosse entre alguém que a tivesse estuprado ou um policial que a tivesse salvo. A "esquerda" reagiu dizendo que eles estavam ameaçando de estupro, incentivando o estupro ou algo assim.

     Agora minhas opiniões.
     Primeiro, os pontos de concordância. Concordo que o traficante muitas vezes deve ser visto e tratado como um sujeito que age contra a vida em sociedade. O policial também, em que pese algumas violações que fazem, são benéficos para a vida sociedade. Não dá para restringir a realidade em opressores e oprimidos, romantizando o crime como uma forma de vítimas da sociedade lutarem contra o sistema que os prejudica. O que acrescento é que o traficante também é um ser humano. Pelos seus crimes, pode sofrer privações, perda à liberdade, obrigação de se apresentar a uma autoridade periodicamente, fazer trabalhos voluntários, etc. Ocorre que o criminoso também é um ser humano, e essa condição não lhe pode ser negada.
     Segundo, é besteira pensar que os sujeitos fardados ameaçaram ou incentivaram o estupro. Eles seguem uma tendência de militares de ter uma visão pragmática. Querem mostrar que quem salvasse o traficante na primeira situação, mas não o estuprador na segunda, seria um hipócrita. O argumento deles me chama atenção para a pergunta "quem você salvaria...". Note que não foi "O que é certo, salvar...". A pergunta não foi entre certo e errado, bom e mal, mas o que na prática seria feito. As pessoas tendem a fazer a escolha e argumentarem dizendo que é o certo, mas é possível que alguém diga que o certo é salvar determinada pessoa, mas que ela não conseguiria fazer isso. Essa resposta a tornaria hipócrita? Talvez.
     Qual pergunta tentarei responder aqui? Acho que é pouco importante dizer quem eu salvaria. É de interesse da ética saber o que é o certo a ser feito.

     Considerando que eu fosse um médico, como na situação que deu origem à pergunta, vou primeiro fazer um esclarecimento do termo utilizado. Foi terrível o termo "salvar". Essa palavra expressa uma ideia de tirar de uma situação de risco grave. Acho que socorrer o policial levemente ferido não o estaria salvando, pois ele, segundo o caso apresentado, estaria em uma situação estável, pouco ferido. O termo "salvar" se aplicaria somente para o traficante, que estaria ainda em uma situação de risco.
     Pois bem, é óbvio que primeiro se deve salvar o sujeito em estado mais grave na opção entre ele e outro em um quadro estável. O médico, no exercício de sua arte, deve procurar salvar vidas, realizar o tratamento, evitar que a situação piore e diminuir as dores. Não cabe ao médico julgar o que cada um faz de sua vida. Tanto é que o médico tem dever de sigilo de coisas que tem conhecimento em virtude de sua profissão (há complexidades nessa discussão, mas não vou aprofundar nelas). O médico tem uma responsabilidade de agir sem privilegiar grupos ou indivíduos enquanto exerce sua arte. Violar essa obrigação implica um desrespeito à toda a comunidade médica, pois faz perder a credibilidade da classe. Médicos não podem declarar guerra a um grupo, por exemplo quem vive à margem da lei.
     Tomemos o código de ética médica que traz a resolução 1.931 do Conselho Federal de Medicina:
VII - O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.
É vedado ao médico
Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto
      O médico não pode escolher tratar alguém em primeiro ou em último lugar pela profissão. Deve avaliar por critérios técnicos como exercer da melhor maneira sua profissão. Existem verdadeiros dilemas médicos em que há critério técnico definido, mas no caso apresentado é claro que a melhor maneira de exercer a medicina é salvando quem está em risco e depois prestando assistência a quem não está.

     A título de comparação, tomemos uma situação em que há um pai médico em que deve escolher socorrer entre seu filho e outra pessoa (um traficante, que seja, pode até ser quem fez o mal ao seu filho). Seu filho está em um quadro estável e a outra pessoa precisa de primeiros socorros para não morrer. É claro que nessa situação, em que pese ter o dever de assistir seu filho, ele deve socorrer primeiro a pessoa que estiver em risco crescente (se isso for oferecer rico a ele, não será preciso socorrer ao meu ver). Se, ao contrário, tivesse seu filho e outro em situações semelhantes, deve socorrer seu filho pelo dever de sua condição de pai.

     A distinção entre pessoas pelo que fazem pode ser relevante em algumas situações, embora não sejam para o médico. Por exemplo, unidades policiais devem ter uma escala de prioridades entre policiais, vítimas e criminosos (criminosos executando a ação). Há alguma divergência sobre qual será a prioridade, mas ter prioridade nesse caso é lícita moralmente. Não se está propriamente fazendo um julgamento, mas sim executando um ato de defesa. Assim como na legítima defesa o que se faz não é atacar ou julgar o agressor, mas se defender. Na legítima defesa também é lícito fazer uma escala entre sua vida, a de terceiro e a do agressor, por exemplo - há quem prefira ser agredido do que ferir o agressor mortalmente, porém pode ao mesmo tempo preferir proteger terceiro mesmo que isso signifique matar o agressor, pois o terceiro não fez a mesma escolha que ele.
     Também parece-me perfeitamente justificável que cinemas e agências de ônibus, por exemplo, tenham uma cota para policiais poderem acessar seus serviços com desconto ou sem pagar nada (ao mesmo tempo em que não fazem o mesmo para traficantes, por exemplo). Isso é uma forma válida de demonstrar apreço por essa profissão. Ocorre que o médico não presta um serviço equiparável a esses serviços de transporte e entretenimento, pois ao envolver a vida e a saúde a dignidade humana fala muito mais alto.

     Minha conclusão é que é preciso que a "direita" consiga enxergar corretamente as situações sem querer louvar o policial. E sem querer pensar que aquilo que a maioria das pessoas fazem é o correto - se poucos tiverem a fortaleza de salvarem alguém que faz coisas repugnantes, nem por isso a maioria está correta.

Espero não gerar polêmicas desnecessárias, mas estou aberto a discussões
Tenham um bom dia

Link para a resolução do CFM

https://portal.cfm.org.br/images/stories/biblioteca/codigo%20de%20etica%20medica.pdf

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Existência de santos e o comunismo

     Após um longo tempo, vou escrever algo no blog. Eu não tinha muitas ideias do que poderia escrever que acrescentasse às discussões e fosse compatível com o blog. Hoje, porém tenho um assunto que percebo que não foi bem abordado: a incompatibilidade entre a existência de santos e o comunismo. O primeiro ponto não é original, mas acho que vale a pena apontar já que é pouco comentado. O segundo ponto não é totalmente original, mas é minha maior contribuição neste post.

1 O comunismo só seria possível em um mundo de santos?

     Muitos desavisados afirmam que o comunismo só seria possível em um mundo em que todos sejam santos, que ninguém queira fraudar o sistema, que todos se aceitem completamente etc. Pois bem, atrevo-me a dizer que o sistema de produção socialista não funcionaria mesmo que todos fossem santos.
     Antes de prosseguir, vou explicar alguns termos que eu estou usando aqui. Temos que tomar cuidado com a palavra "santo", pois pode ter vários significados. O primeiro é o significado próprio, teológico, que significa uma pessoa que não tem pecados e pode ir direto ao paraíso caso morra, se destaca pela ligação com Deus, de modo que ninguém pode ser santo sem a graça de Deus (Deus quer que todos sejam santos e permite que todos os sejam se se esforçarem, mas a santidade não depende só do homem, mas da ação de Deus). O segundo significado é de "alguém muito bom" ou algo nesse sentido. Nesse significado, pode-se pensar que o homem pode ser santo, totalmente bom, sem a graça de Deus, ou se pode relativizar o sentido de santidade, pensando que o homem santo seria uma pessoa muito boa, mas não perfeita.
     Neste primeiro ponto, estou pensando no socialismo do ponto de vista de um sistema econômico. Pode ser definido como o sistema de produção em que o controle dos meios de produção pertence à sociedade como um todo. Difere do capitalismo, em que o controle dos meios de produção pertence a indivíduos (o capitalismo tem outras características também, mas por enquanto basta).
     O que pretenderei explicar aqui é que mesmo que todas as pessoas vivam pensando no bem da sociedade, mesmo que não tenham nem mesmo a intenção de fazer qualquer mal, mesmo que não tenham qualquer tentação oportunista, mesmo assim o sistema de produção socialista não seria próspero. Por próspero eu quero dizer que não será capaz de organizar de forma muito complexa os meios de produção, que não conseguirá coordenar corretamente os fatores de produção de forma a gerar muitas riquezas.
      Existem dois tipos de bens (coisas que os seres humanos dão valor): bens de consumo e bens de produção. Os bens de consumo são aqueles a que os seres humanos dão valor diretamente, é aquilo que satisfaz as necessidades humanas (qualquer tipo de necessidade, pode ser o mero desejo de acúmulo, não precisa ser fisiológico). Os bens de produção são aqueles que têm valor enquanto úteis para a obtenção de bens de consumo. Os bens de produção podem ser empregados para a obtenção de vários bens de consumo - uma porção de terra pode ser usada para produzir frutas diversas, para criar animais, para construir casas etc. Daí surge a necessidade de se definir como empregar os meios de produção para produzir da melhor forma os meios de consumo. Mises definem 5 tipos possíveis, mas nos interessa aqui diferenciar o capitalismo do socialismo. No capitalismo a sociedade se organiza de modo a que cada agente privado possa empregar os meios como quiser. No socialismo, será preciso que a sociedade tome decisões em conjunto (normalmente por uma instituição de representação).
     Aqui exige a necessidade de um choque de realidade. A realidade é muito complexa. Os gostos das pessoas se alteram a cada momento, o que uma pessoa quer um dia é diferente do que quer no outro. O clima é imprevisível e se altera sempre, assim como as limitações dos animais e dos vegetais. Sendo o mundo tão instável, é preciso de um meio para que a coordenação dos meios de produção seja adaptada a cada momento. Um arranjo bom em um dia não será bom em outro. No capitalismo, isso funciona pelo sistema de preços. Um aumento de preço indica menos bens de produção disponíveis ou maior demanda. Diminuição de preço indica menos bens de produção ou menor demanda. Os agentes de mercado reagem buscando lucro. Eles irão buscar no mercado situações em que falta uma coordenação, em que está abaixo do ótimo e tentarão melhorar a situação, tomando para si parte dos ganhos sociais. Como as pessoas são diferentes, podem ter percepções diferentes e vivem em contextos diferentes isso implicará necessariamente em uma desigualdade no emprego de bens de produção, o que para o capitalismo não é algo ruim em si. Não vale a pena me alongar aqui em críticas e vantagens do capitalismo, fiz mais uma descrição.
     No socialismo os bens são comunitários, pertencem a todos. Em sociedades em que não há escassez, isso não gera problemas. Por exemplo, se existir uma sociedade em que todos os bens de consumo estão disponíveis assim como o ar, não existirá problema econômico e nem economia, pois as pessoas simplesmente terão acesso a aquilo que precisam para saciarem suas necessidades. Em sociedades um pouco mais realistas e mais complexas, os bens não são escassos. É preciso escolher como bens serão usados, a começar pelo tempo, o bem escasso por excelência: gastar uma hora plantando ou cortando lenha ou colhendo frutas? O que fazer com as porções de terra? Cortar uma árvore para produzir lenha ou esperar um ano para ver se ela dá mais frutos? Essas escolhas são fáceis quanto mais impactarem os bens de consumo. É mais fácil escolher entre gastar o tempo cozinhando ou cortando lenha do que entre plantar feijão e criar gado, e este é mais fácil do que escolher entre construir uma ponte ou pavimentar uma estrada, que é mais fácil do que escolher entre construir uma ferrovia ou criar uma usina hidroelétrica. Quanto mais os bens de produção são usados para produzirem outros bens de produção, mais a economia se complexifica e as escolhas se tornam difíceis, mais as variáveis próprias da realidade dificultam o planejamento. O socialismo não consegue dar uma boa resposta para o problema da coordenação dos fatores de produção, isso ocorre por a racionalidade humana ser limitada. O ser humano consegue coordenar fatores de produção de forma menos complexa, como um fazendeiro cuidado de sua fazenda, mas não grandes sistemas econômicos. O advento de tecnologias não soluciona o problema, pois ainda existe um limite da capacidade de processamento de uma unidade centralizada. A solução é ou ter sociedades simples (o que não é necessariamente ruim, embora não seja próspera) ou não empregar os sistema.
     No capitalismo, existe uma coordenação que não decorre da necessidade de uma racionalidade centralizada, com capacidade infinita de processamento, mas cada ser humano pode atuar em um setor da economia. Isso só é possível pelo sistema de preços conseguir traduzir as variáveis em um mesmo denominador: o preço (existem tentativas teóricas de fazer algo semelhante no socialismo, mas adianto que não são satisfatórias). Daí não é preciso que cada indivíduo saiba as circunstâncias gerais da sociedade, apenas que consiga traduzir o preço de forma a conseguir lucrar, e o lucro é uma forma também de sinalizar para a economia.
     Agora a sociedade de santos e o socialismo. Mesmo que todas as pessoas em um sistema econômico socialista queira o bem da sociedade, queira dar o máximo de si para trabalhar, ainda exige a necessidade de coordenar os esforços humanos. Santidade (no sentido de pessoas muito boas) não implica que as pessoas saibam o que precisa ser feito para a sociedade, de modo que ainda será preciso de um poder central determinando o que fazer. E mesmo santos não têm razão ilimitada. Por conclusão, uma sociedade socialista, mesmo que seja composta de santos, não pode ser próspera, embora possa ser pequenas comunidades de subsistência (ou algo um pouco acima da subsistência), o que não é necessariamente algo ruim.
     Agora, se tivermos uma sociedade em que os seres humanos não são santos, a complexidade aumenta muito. Isso por ser preciso lidar com o oportunismo, com medidas antissociais, com egoísmos, com o desejo de dominação, e de preguiça.

2 A existência de santos refuta a teoria socialista?

    O que tentarei dizer aqui é se a existência de santos em algumas situações, como um São Francisco, um São Thomas More, uma Santa Teresa de Calcutá, implicam na invalidade da teoria socialista. Por santos, quero dizer pessoas que em situações improváveis (no próprio mundo, em última análise), conseguem viver na total caridade. Existe uma diferença entre caridade e filantropia, mas não convém explicar aqui. Pela teoria socialista, quero dizer um conjunto mais ou menos ordenado de ideias que afirma ser possível construir uma sociedade em que todos sejam santos (entendidos aqui como pessoas muito boas, que vivem pensando no bem comum).
     Vou tentar contextualizar a pergunta. O socialismo procura diferenciar na sociedade grupos oprimidos e grupos opressores. Uma sociedade socialista (comunista, como alguns preferem) seria aquela em que não há essa distinção, sendo que todos cooperam para o bem comum de forma estável (isso significa que uma pessoa individualista nesta sociedade não existe ou será convertida ou será eliminada). Os grupos são divididos em função de um tipo de poder fático, que pode ser de diversos tipos. Em uma teoria socialista mais clássica, esse poder seria o controle dos bens de produção. Pode-se entretanto, apontar que esse poder pode ser um poder ideológico ou religioso também. Note que uma teoria socialista busca associar um tipo de poder a um tipo de opressão. O opressor não é somente quem oprime, mas é analisado (daí a ideia de uma teoria) em conjunto de outros opressores, que têm um mesmo tipo de poder e oprimem de um modo mais ou menos padronizado. Enquanto isso, o oprimido é analisado como aquele que não tem um determinado poder, ficando sujeito ao opressor. Para nossa questão, não levamos em consideração santos que surgiram dentre o grupo dos oprimidos, que os socialistas poderiam considerar como alienados. O que é tão interessante é a existência de pessoas que surgiram em posições "privilegiadas", em posições em que pertenciam a grupos que tinham poderes que seriam considerados opressores. São Francisco de Assis nasceu em uma família rica, por exemplo. Mesmo assim, os santos abdicam desse poder se tornando "oprimidos" ou o usam de forma boa, não no próprio interesse (ou no interesse de sua classe). A existência de tais homens, que, segundo a teoria socialista, deveriam ser opressores, invalida a teoria?
     Em princípio, pensava que não. Pensava que a teoria faz uma análise macro de um fenômeno, não pretendendo trabalhar com modelos, simplificações da realidade, tal como um químico considera valores aproximados, condições ideais, considera que existe um processo contínuo de evaporação e liquefação ao mesmo tempo, que as moléculas estão em movimento constante, podendo haver variações de pressão em cada instante. Uma teoria simplifica um pouco a realidade para permitir estudar tendências, fenômenos semelhantes etc. Até Marx, no Capital, apresenta para a abordagem econômica o que ele chama de trabalho socialmente necessário. O valor das coisas seria medido nesse trabalho socialmente necessário, que seria obtido a partir do que um homem médio dispende para a produção de um bem. Pela ação das massas, aquele que produz mais acaba compensando o que produz menos, levando um tempo mais ou menos padronizado, que seria obtido quando o indivíduo perdesse importância diante do esforço coletivo.
     Qual o problema? Por que mudei de ideia? Caso essa explicação seja a explicação correta, isso significa que a teoria econômica não exaure a realidade, no sentido de ser uma simplificação de processos sociais. Tal teoria não poderia suportar a criação de uma sociedade perfeita, estável, com absolutamente todos os homens vivendo em prol do bem comum. Se a teoria consegue tolerar a existência de santos, não iria também aceitar dentro de sua "margem de erro" pessoas opressoras dentro de grupos oprimidos? Ou exceções dentro das sociedades comunistas? Movimentos extremistas não cometeriam injustiças com indivíduos em ações que visassem declarar guerra a grupos inteiros? Daí está a origem de diversas falácias. Alguns negros foram oprimidos por alguns brancos, logo todos os brancos devem ser penalizados em benefício de todos os negros (alguns aqui não significa uma minoria numérica, mas uma parcela).
     A verdade ao meu ver é que as teorias socialistas realmente fazem uma simplificação, mas também realmente acreditam que a simplificação condiz com a realidade. Atribuem poder muito elevado para a inocência de um "bom selvagem" e para a corrupção das instituições, eliminando o livre arbítrio individual. Na verdade, pensam, a sociedade é feita por grupos, e não por indivíduos. Sendo algo dinâmico, os indivíduos influenciam os grupos também, porém seu papel é frágil, limitado. A teoria socialista irá dizer que santos não existem, uma vez que uma visão tão materialista se fecha para a existência da autêntica santidade. A existência de santos conflita com a teoria socialista, que nega a ação do transcendente no mundo, que se baseia em poderes fáticos, e despreza a existência de valores atemporais.

     Se realmente a existência de santos refuta a teoria socialista, uma próxima pergunta seria: santos existem? Essa pergunta, creio que vocês já podem procurar em outros lugares mais gabaritados do que este meu blog.