Estava hoje a dar um pão para o meu cachorro Toddy. É uma boa oportunidade para ensinar truques para ele; ultimamente, para revisar aqueles que eu já ensinei - infelizmente, ele já está com alguns problemas de saúde e, talvez, ficando um pouco velhinho, então os mais complexos ele demora um pouco para executar e já não tem energia para pular de um lado para o outro de um bastão horizontal...
Um dos truques que meus pais acham muito legal é o "fica", com lógica parecida com o "não". Eu faço ele sentar, mostro o pão e digo "não", de modo firme e, se preciso digo outra vez. Depois eu posso deixar o pão no chão, posso jogar para um lado, posso deixar do lado dele e ele não come. Fica na posição sentado; e nem olha para o pão. No "fica", ele fica sentado enquanto eu ando de um lugar para o outro da garagem e ele não pode se mexer. Alguns poderiam dizer que estou tratando o Toddy como um... Meio ou algo assim; pois eu faria ele passar vontade até permitir que ele coma o pão.
Primeiramente, obediência não significa que o "superior" desprestigie ou objetifique o subordinado, o que há é uma divisão dos papéis tendo em vista, normalmente, a assimetria de informações - não é possível que todos façam/saibam tudo. Um exemplo bastante simples que indica que obediência não necessariamente implica em subjugação, em opressão, é o do paciente que obedece às orientações do médico mesmo que muitas vezes não entenda todo o processo biológico e químico envolvido. Obediência significa saber escutar, em um sentido mais literal. Os filhos obedecem os pais por reconhecerem que eles têm mais experiência e querem o melhor para os filhos (há leis naturais envolvidas e em um momento os filhos se tornam independentes, mas não vou aprofundar isso); o empregado obedece o patrão por este estar encarregado de um cargo de gerência, de planejamento do todo, enquanto o empregado executa uma tarefa específica.
Em posições em que há obediência, pode-se dizer sem entrar em exceções que o bom subordinado é aquele que ouve o que diz o seu chefe, que procura executar da melhor maneira, que tenta entender aquilo que o chefe quer, embora nem sempre diga. No entanto, ao se lidar com seres humanos, se lida com sujeitos livres, capazes de não agir por mera preguiça, por não fazer por pura maldade, mas também por agir apesar da preguiça e fazer apesar de beneficiar a alguém a quem não se gosta. Ou seja, os homens são pessoas que possuem desejos próprios, não são computadores que simplesmente executam as atividades se assim lhes permitir o engenho e a arte.
Os seres humanos também não se limitam a obedecer a pessoas, mas a fins ou valores. A relação não é a mesma, é uma obediência mais metafórica: uma pessoa que valoriza sua saúde irá obedecer a regras que lhe deem saúde ou a mantenham; uma pessoa que valoriza a família irá agir de modo a atender aos deveres familiares, tentando executar ao máximo sua função compreendendo os anseios desse grupo de pessoas. Observe que um bom pai de família irá agir como se se sujeitasse aos deveres familiares.
O que isso tem a ver com o meu cachorro? Quando ele vive o dilema de (tentar) comer o pão ou não, ele está vivendo uma luta entre a obediência e a satisfação imediata de seus próprios prazeres. No fundo, isso é um fortalecimento de si mesmo. No caso dos seres humanos, ao servirem a alguém ou a algo, eles costumam viver o mesmo dilema: eu ou o outro, eu ou minha família, eu ou a sociedade. Eu, pessoalmente, acordo pensando se devo continuar um minuto na cama ou se devo levantar; e muitas vezes vou dormir apesar de querer fazer outra coisa (para que eu durma bem e possa fazer outra coisa em horário mais propício). O dia inteiro passo nessa briga comigo mesmo. Nesse dilema entre pegar o pão ou esperar que me seja permitido fazê-lo.
Há pesquisas e experiências apontando que o ser humano tem mais ou menos uma quota de capacidade de lutar consigo mesmo. Imaginem os jogadores de RPG uma barrinha de SP (ou MP ou mana) que vai se consumindo conforme se luta contra algo; imagine que seja uma barrinha que se regenera lentamente durante o dia e se recupera totalmente enquanto dorme. Há quem diga que deve-se lutar contra si mesmo de modo a tornar eficiente esse consumo de fortaleza, que se deve permitir alguns prazeres para se poder efetuar sacrifícios maiores. De fato, o estresse com o estudo em época de provas, por exemplo, consume uma quantidade anormal desse atributo e faz com que o estudante queira descontar em comida, para citar um exemplo.
No entanto, o que defendo aqui é que essa barrinha de fortaleza pode ser treinada. Podemos nos treinar a negarmos a nossos prazeres imediatos tendo em vista nosso fortalecimento como pessoas. Treinar o autocontrole. E esse treinamento dá-se mesmo com pequenas coisas, como recusar comer um chocolate após o almoço (ou aguardar a ordem para comer o pão). É pela ação de negar a si mesmo que se pode buscar algo maior; e nesse sentido a luta começa dentro de nós, pois quem não pode se autocontrolar dificilmente poderá controlar uma grande nação de modo apropriado.
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