quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Algumas reflexões sobre o jogo This War of Mine

     Estive essa semana a jogar um pouco um jogo chamado "This war of mine", para os não fluentes em inglês, poderíamos dizer "Esta minha guerra". É basicamente um jogo de sobrevivência, em que o jogador controla alguns personagens e o objetivo é conseguir sobreviver. Os personagens são pessoas comuns, não militares, e elas tentam coletar recursos, construir aparelhos improvisados para garantir o sustento e o descanso. Seria mais ou menos um "The sims" apocalíptico, em que se tem que cuidar de alimentação, descanso, psicológico, sem falar das doenças e ferimentos, em que é fácil algum dos personagens ser ferido ou ficar doente, em que o alimento é escasso assim como os itens para construir as coisas.
     Esse jogo, embora com um gráfico simples, próprio de um ambiente de degradação e degeneração, é muito bom. Estou escrevendo esta postagem por algumas reflexões que ele ensejou em mim. Inicialmente, pensei que seria só mais um jogo, muito legal, divertido, mas ainda apenas um jogo que não me impactaria (como todos os jogos que já joguei - assim como pensei que "Os sofrimentos do jovem Werther" não me impactaria por ser "só um livro"), ledo engano.

     Normalmente vemos os jogos com um certo distanciamento entre o jogador e o personagem. Temos implícito que no jogo realizamos os sonhos que na realidade não podemos - ver, por exemplo, um GTA, em que é simples matar, fugir da polícia, roubar. No "This war of mine" eu entrei com essa expectativa. No entanto, pensei em ter como objetivo garantir a moralidade dos meus personagens: ajudar os outros quanto possível, não roubar, não matar (até por alguns atos de caridade possivelmente ensejarem recompensa). Se é possível sobreviver à guerra sem matar, sem roubar, seria isso o que eu faria naquele jogo.

     Com o tempo, fui me afeiçoando aos personagens, eles passaram a ser importantes. Eu queria que eles continuassem vivos até o fim. Não era tolerável uma ideia de deixar um deles morrer de fome para que os outros pudessem viver de modo satisfatório. Contudo, a crise vem e torna necessário fazer escolhas difíceis, muitas vezes fiz escolhas erradas. Eu acolhi um personagem que não sabia que estava doente, e ele me dava muita despesa, o que me fez várias vezes pensar se não era melhor não tê-lo acolhido. Mas a vida segue.
     Quando minhas opções foram ficando escassas, eu resolvi entrar em um local em que haveria muitos objetos abandonados (então não estaria furtando ninguém), mas que também tinha um local habitado (se tirasse algumas coisas de lá, aí sim estaria furtando). Eu escolhi esse local por, embora ser vigiado em uma parte, eu poder viver sem a violação da propriedade privada no meu histórico. Pois bem, grande foi minha surpresa ao encontrar só uma casa habitada e vigiada. Eu fui procurar por objetos abandonados, mas por conta das minhas circunstâncias, mandei o personagem furtar algumas coisas. O problema é que fui visto, e estava em um local sem saída. Nisso já vinha um morador armado contra mim. O único meio de sobreviver seria matá-lo.
      Bom, isso me faz pensar naquelas pessoas que vão furtar ou roubar usando uma ameaça, a vítima resiste, e matam a vítima. Quem seria o culpado nessa situação? É tão injusto dizer "a vítima morreu porque reagiu" quanto "a moça foi estuprada por andar sozinha com roupa curta em um local perigoso", no entanto é uma regra prática: você sabe que algumas situações ou atitudes têm um risco maior (embora haja pesquisas dizendo que a reação pode ser mais eficiente em algumas circunstâncias, coisa que não vou aprofundar aqui), então é na prática melhor escolher suas ações mesmo que seja desconfortável ou pareça ferir a própria liberdade. Posso dizer que o meu personagem estava errado ao furtar, assim como um bandido ao furtar e roubar. É natural que uma pessoa procure proteger seu patrimônio, então até certo ponto é previsível uma reação. Não se pode dizer que há uma responsabilidade plena no meu caso (ou no caso do meu personagem) por eu estar sem escolha, ou eu morria ou eu matava (não havia também opção de devolver, ou de falar que eu iria sair sem ferir ninguém), o que nem sempre é o caso de um assaltante, muitas vezes ele tem a escolha (ele pode fugir, por exemplo, mesmo que haja um impulso humano de terminar o que se começou, mesmo sendo algo ruim). Mesmo assim, penso que, mesmo não sendo uma responsabilidade plena, ainda há algum grau de culpa.
     Penso, nesse sentido, que o mal atrai o mal. Assim como uma ação má pode ensejar a mentira, a violação da propriedade pode ensejar na violação da vida alheia. Mais ou menos o que dizem sobre uma droga ser a porta de entrada para outros, penso que muitos vícios e pecados criam uma ocasião para mais.
     Talvez algo interessante seja o tempo que tive para pensar entre um tempo que joguei e outro. Na hora tudo passa rápido, e se faz atitudes erradas ou que seriam injustas na vida real sem pensar muito. Um tempo de reflexão pode gerar algum incômodo. O ato de olhar para trás e ver que o que foi feito é bom. É bom ter um tempo para analisar suas próprias atitudes durante o dia (no jogo, deu-se entre um tempo de jogo e outro, mas no dia a dia pode ocorrer antes de dormir), um exame de consciência para saber se cumpriu todas as metas do dia, se fez algum erro. Sem esse tempo, pode ser mais difícil progredir moralmente, pois sem a reflexão, o que passou passou. Passa agora a analogia de que a reflexão moral pode ser análogo a uma pessoa que, antes de sair se olha no espelho, só que em vez de ver o presente normalmente uma reflexão moral olha para o passado. Assim, não se pode corrigir o que já foi feito, mas se pode atentar para o futuro.
     Após algum tempo jogando, passei a aceitar várias coisas do jogo, como matar, roubar. Talvez estivesse considerando o jogo como só um jogo (como quando eu resetei o jogo quando um dos personagens morreu), mas será que na vida real em tais dificuldades seria fácil perder essa estranheza do que é ruim?

    Eu sou uma pessoa que pensa que deve estar pronta para caso ocorra algum desastre (interessados, pesquisem por "sobrevivencialismo" na internet), e esse jogo me faz pensar várias coisas que ainda não sei responder. Por exemplo, pode uma pessoa fazer justiça com as próprias mãos quando o aparelho estatal está ausente? Mesmo que seja comum, é certo? Por mais que eu saiba que é errado roubar, mesmo tendo que escolher entre "a honra e o sustento", será que eu conseguiria evitar fazê-lo em uma situação de desastre?

Boa noite

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