"Os judeus não têm olhos? Os judeus não têm mãos, órgãos, dimensões, sentidos, inclinações, paixões? Não ingerem os mesmos alimentos, não se ferem com as armas, não estão sujeitos às mesmas doenças, não se curam com os mesmos remédios, não se aquecem e refrescam com o mesmo verão e o mesmo inverno que aquecem e refrescam os cristãos? Se nos espetardes, não sangramos? Se nos fizerdes cócegas, não rimos? Se nos derdes veneno, não morremos? E se nos ofenderdes, não devemos vingar-nos? Se em tudo o mais somos iguais a vós, teremos de ser iguais também a esse respeito. "
"Decerto haveis de perguntar-me a causa de eu preferir um peso de carniça a ter de volta os ricos três mil durados. E então? Se um rato a casa me estragasse, e para envenená-lo eu resolvesse gastar dez mil ducados? ... Há muita gente que não suporta ouvir grunhir um porco; outros, ao ver um gato, ficam loucos; e outros, ainda, que ao fanhoso canto da cornamusa a urina não retêm. É que a impressão, senhora dos instintos, vos faz odiar ou amar, como apetece. Para voltarmos ao que perguntastes, vos direi que assim como não podemos apresentar razão satisfatória da antipatia de um pelo grunhido do porco, da daquela pela vista de um gato necessário e inofensivo, da do outro pela inflada cornamusa, sendo força cedermos ao opróbrio inevitável de ofendermos, quando nos virmos ofendidos: de igual modo, não sei de outra razão, nem saber quero, se não for o ódio inato e a repugnância que Antônio me desperta e que me leva a persistir assim numa demanda tão onerosa."
Talvez seja melhor resumir o que quero chamar atenção. Shylock emprestou dinheiro a Antônio, e este não lhe pagou no prazo devido. As leis permitem que ele exija uma libra de carne o mais próximo possível do coração. Antônio, posteriormente tem o dinheiro, mas Shylock quer a carne. Por Shylock ser um judeu, há muita oposição a ele (e também por exigir a própria pena quando ela não se faz necessária)
Shylock, em sua defesa, apresenta duas abordagens muito interessantes: Primeiramente, as pessoas são iguais: não pode ser discriminado por ser judeu. Em segundo lugar, as pessoas são diferentes, por isso não precisa justificar sua preferência por "um peso de carcaça".
Shylock entrou em contradição? Afinal, os homens são ou não diferentes?
As pessoas são diferentes no sentido de que possuem valores, princípios, desejos e paixões diferentes. Se pessoas são diferentes, elam podem ser tratadas se modo diferente. Muito cuidado aqui. As leis devem ser voltadas para um número indeterminado de pessoas, devem tentar englobar todas as pessoas sujeitas à legislação como um todo. A situação ideal das leis é que todas se apliquem a todos sem qualquer distinção "a priori". Por exemplo, o crime de roubo é uma lei que pode se aplicar a qualquer cidadão. Os efeitos, como a prisão, irão recair sobre quem praticou o crime, o que significa que podem se aplicar a qualquer um. Assim, embora os homens sejam diferentes em diversas coisas, eles devem ser iguais perante a lei, por serem todos seres humanos.
Na lógica, há diversas diferenças entre entes. Quando a diferença se refere às particularidades mais únicas de cada um, há uma diferença individual. Quando a diferença se refere a particularidades não tão únicas, mas mesmo assim bastante exclusivas há uma diferença específica. Os seres humanos são individualmente diferentes: cada indivíduo é diferente entre si. No entanto, não há diferenças específicas entre os seres humanos por eles justamente pertencerem a uma mesma espécie.
As leis se aplicam aos homens por eles serem homens (ou, em alguns casos por serem homens de uma determinada nacionalidade), e as leis não devem se aplicar a grupos menores do que esses sob o risco de ferir a isonomia (iso = igual; nomia = regra). As leis, portanto, trabalhariam com diferenças específicas.
As paixões, desejos, pensamentos, sensações..., embora guardem uma certa congruência entre os homens, são essencialmente individualmente diferentes, pois cada indivíduo as sente de forma diferente, embora análoga. Essa diferença individual é o que explica por que cada pessoa pode escolher de forma diferente perante mesmas opções.
Talvez Shylock pudesse dizer: Certamente somos todos diferentes, pois cada indivíduo possui gostos, paixões e ódios diferentes. Apenas isso explicaria por que meu amigo se casaria com uma mulher que eu jamais iria querer perto de mim, ou por que outro amigo se casou sendo que ele não vale nem um pence. Isso explica por que alguns preferem um relógio redondo e outros, um quadrado. Também é certo, contudo, que somos todos homens, uma vez que cada um de nós, de uma forma ou de outra, sentiu os amores e os temores, passou o frio e a fome, tentou encontrar seu lugar no mundo e tento descobrir os motivos para todas as desventuras por que passaram. As leis, cegas para os gostos humanos, recaem sobre todos os cidadãos dessa Veneza independente de odiarem a mim ou de odiarem a Antônio, independente de o ladrão preferir relógios redondos ou quadrados. Assim, não entendo o motivo para tamanha oposição ao meu pedido para que se cumpram as leis. Não sou eu um homem como todos? Se ousarem dizer que não posso exigir o que a lei me garante, então violarão o código no qual vocês vivem e não passarão de feras, que ouvem somente às leis da força bruta, e não ao igual tratamento de todos perante as leis humanas.notas
Tenham uma boa tarde!
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