Imagine o seguinte diálogo:
A - O Bolsa Família é injusto. Ninguém é obrigado a contribuir para
ajudar os outros. Ele não tem fundamento ético, se baseia em um roubo.
B - Mas veja bem. Uma pessoa muito pobre não tem condições de competir em igualdade com outra pessoa muito rica. Como alguém que não consegue se alimentar corretamente poderá se dedicar ao estudo, à melhoria pessoal? Por isso, a BF é tão importante. Ela garante o mínimo necessário.
A - A questão não é essa. O fato de terem pessoas passando fome não justifica que se tire dos ricos para dar aos pobres.
A - Espera, que tipo de argumentos são esses? Ad hominem contra mim. E também fica fácil dizer que todos os pobres não conseguem posições de destaque excetuando aqueles que conseguem.
B - Só estou dizendo que são poucas pessoas que conseguem.
A - A meritocracia não é uma igualdade de condições para todos instantaneamente. A meritocracia é a possibilidade da pessoa lutar na vida e conseguir uma posição melhor. Depois, os filhos atingirão algo mais elevado. A meritocracia é uma luta entre gerações. Não é uma possibilidade igual de todos serem jogadores de futebol profissional, ou de todos frequentarem a mesma universidade. Mas a questão não é essa. Eu concordo que haja desigualdade, seja ela boa ou ruim. Também concordo que os subnutridos não conseguem competir da mesma forma que um sujeito que recebe aulas particulares de física moderna. O que quero saber é quais são os fundamentos para se exigir que alguém financie o BF.
B - O fundamento é a busca pela igualdade de oportunidades, é a ajuda dos outros a não passarem fome. É muito fácil dizer que cada um vai se virar na meritocracia, mas a verdade não é essa. O pobre não tem a mesma condição que o rico.
A - O que você está dizendo são as consequências pretendidas pela BF, mas não são os fundamentos, não são os princípios que possibilitam obrigar o outro a contribuir.
B - Você está sendo egoísta em não se importar com os outros.
...
E a conversa continua, mas acho que já é suficiente. O que quero mostrar é que supostamente existem dos grandes grupos morais. Um deles é principiológico, ele quer saber quais são os fundamentos para se agir de determinada forma. A ética principiológica não se preocupa tanto com o resultado, mas sim com os princípios, com a base moral, com regras do agir corretamente. Outro grupo é o utilitarista, finalista. Esse grupo se preocupa com os resultados. É claro que há conceitos morais no utilitarismo, mas eles só entram mais intensamente como finalidade. A ética principiológica se preocupa muito com cada ação. O homem deve agir corretamente mesmo que traga resultados ruins. O utilitarismo defende que a ação é boa ou má em razão dos seus frutos.
É claro que não podemos cair em uma falsa dicotomia. Há muitos tons de cinza entre o branco e o preto, assim também há muitas vertentes entre o puro utilitarismo e o puro principialismo.
Pode parecer, à maioria das pessoas, que deve existir um meio termo entre o "fiat iustitia et pereat mundus" (faça-se a justiça mesmo que o mundo acabe) e o "os fins justificam os meios". Contudo, quero aqui expressar minha tendência para uma ética principiológica. O homem deve agir corretamente, mesmo que isso traja resultados ruins. Não se pode corrigir uma injustiça com outra injustiça. Ao se justificar uma conduta pelos seus fins abre-se brecha para algum dia se confundir o bem com o mal. Uma violação à moral que é acobertada por um manto de bons resultados tende a se repetir e repetir até que se corrompa toda a alma de uma pessoa.
Ao tentarmos justificar a nós mesmos que nossa ação má foi correta, corrompemos nossa alma. Entenda alma aqui no sentido mais geral possível, não estou em um debate religioso. Alma tem o mesmo radical de "ânimo", de "animal". A alma seria aquilo que faz as coisas se moverem por conta própria. Ao corromper a alma, estamos corrompendo nossa bússola sobre o como agir.
Com isso, não digo que não violo minha própria ética. O que digo é que procuro seguir uma ética regida por princípios, por ações boas nelas mesmas.
Também não desprestigio a necessidade de saber se algo é bom ou ruim. Muitas vezes as consequências mundanas são um indício que aponta se uma ação é boa ou não. Mas a ação boa ou má independe das consequências. O bem é bem em si, e não pelo que produz.
Alguns poderão argumentar que a ação boa traz resultados bons a longo prazo. Nem sempre poderemos prever todos os efeitos de uma ação boa. Contudo, tenho minhas discordâncias dessa defesa. O bom é bom por uma dimensão "além do céu e da terra", pela pureza da alma (aqui já em um sentido mais espiritual), e não pelas consequências terrenas.
Saber se algo é bom ou ruim moralmente é diferente de saber se pode ser proibido pela lei. São coisas diferentes, embora interligadas. Algo moralmente mau pode ser permitido pela lei, assim como algo moralmente bom pode não ser obrigatório.
Espero que isso possibilite um debate interno que os ajudem a crescer moralmente.
Tenham um bom dia!
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