O/a leitor/a deve estar se perguntando por que uso a expressão "classe X (seja lá o que isso signifique)" ou estruturas semelhantes. Aqui explico.
Holítico - tendência do sistema de determinar o comportamento das partes. As partes só podem ser estudadas em sua relação com o todo, por exemplo, um relógio é maior do que a soma de suas engrenagens (ele exige ordem, interação etc.). O papel das engrenagens só pode ser compreendido em sua relação com o todo. De nada adianta saber a função das engrenagens para determinar a função de outra engrenagem, é preciso saber a relação dessa engrenagem com o relógio.
Conceito holístico - O ser humano agrupa unidades em grupos (grupos artificiais, criados pela inteligência humana). Esses grupos são conceito holísticos. Ex.: Família, classe, casta, estamento, nação, povo, raça, etnia, por religião, por profissão, por nível na profissão etc.
Na literatura, o conceito holístico lembra a ideia de metonímia, no sentido de o todo representando as partes. Exemplo:
Sem metonímia - Pessoas da classe proletária devem se unir.
Com metonímia - A classe proletária deve se unir.
Um exemplo mais feliz: Edison ilumina a casa de todas as pessoas. Aqui, usa-se o nome do inventor da lâmpada em vez do objeto em si - inventor pela obra.
Friedrich Müller defende que a ideia de "povo" pressupõe uma certa homogeneidade (escolhi esse autor para explicar o que é o "povo", mas há outros autores que explicam de forma diferente). Quando a população de um país não é um povo por ser muito diferente, o país passa a precisar de uma Constituição, de normas que sirvam para os diferentes. Aqueles que detêm o poder criam um "povo" imaginário. Não há povo, mas os detentores do poder querem uma legitimidade, e se dizem agir em nome do "povo". Esse "povo" é criado à imagem e semelhança dos poderosos - e não dos oprimidos.
Imagine um político dizendo "A nação irá prosperar sobre meu regime. O povo terá liberdade e igualdade. As classes sociais terão suas vontades e desejos respeitados etc.". Basta substituir os conceitos holísticos por "eu" e entenderá o que Müller quis dizer.
Qualquer conceito holístico pressupõe certa homogeneidade. O problema está em se empregar tais conceitos quando essa homogeneidade não existe. Nesses casos, o agente dá o significado ao termo conforme sua vontade.
Exemplo: A cor da pele. Você pode separar as pessoas conforme a cor da pele, chamar um grupo de "branco" e outro de "negro". Até aí, o conceito holístico não apresenta problemas. Qualquer indivíduo no primeiro grupo será branco. O problema surge quando você atribui uma característica a um dos grupos que não é inerente aos indivíduos. Imagine que você observe que há mais indivíduos do grupo "branco" que sejam homens do que no grupo "negro". Se você disser que os indivíduos do grupo "branco" são brancos e homens, está cometendo um erro.
Outro exemplo mais difícil é separar em "ricos" e "pobres" por uma medida arbitrária de dinheiro. Até esse momento, a divisão pode fazer sentido. Ao disser que o capitalismo é uma doutrina dos "ricos" pelo fato hipotético de a maioria dos "ricos" defenderem o capitalismo se está cometendo um erro. Mesmo que uma característica majoritária em um grupo tenha uma relação com o grupo, não significa que o grupo é homogêneo. Ao empregar um sentido diferente daquele usado na separação e sem vínculo necessário com o sentido original do grupo, se está cometendo um erro.
Marx define o burguês como aquele que possui os meios de produção. O proletário não os possui. A divisão dos grupos para aí. Não se pode seguir um raciocínio em que existe um "pensamento burguês" ou um "pensamento proletário". A divisão em burguês e proletário não deriva do pensamento, mas do "ter". Mesmo que exista uma relação entre o "ter" e o "pensar", não é uma relação necessária.
Os conceitos holísticos têm a utilidade de se ter uma visão do todo, mesmo para eventos sociais e humanos. Não se pode, contudo, cair na armadilha de pensar que essa homogeneidade é real, e não um mero artifício didático.
Em discussões, deve-se tomar o cuidado de usar apropriadamente os conceitos holísticos - pelo menos se você quiser um debate justo e em busca da verdade. Criar uma divisão arbitrária como "ricos" e "pobres", fazer uma média ou uma moda de determinadas opiniões e criar um "rico médio" ou um "pobre médio" e usá-lo para criticar ou defender uma ideia é perigoso. Você pode estar atacando uma abstração que não existe e nunca existirá, e nem tem qualquer ligação com a realidade.
A falácia do espantalho consiste em ignorar o que seu adversário diz, criar uma abstração falsa das ideias do seu adversário (a qual chamamos "espantalho") e atacar essa abstração como se estivesse atacando as ideias de seu inimigo. Você só se esqueceu que o espantalho é diferente da realidade. Você criou o espantalho como fruto de seus preconceitos.
Muitas vezes a fonte dos preconceitos é um conceito holístico. Por exemplo, o meu adversário é da esquerda (esquerda é um conceito holístico), então ele pensa como todos os esquerdistas. Na verdade, há variabilidade de pensamento na esquerda e você o enquadrou em um espantalho que faz da esquerda.
Normalmente os conceitos holísticos são usados com uma carga de preconceito e sem ligação com a realidade. Dizer "nação", "família", "classe", "povo", "raça" etc. é quase sempre usado de forma imprópria e desonesta. Cuidado com as generalizações.
Vou exemplificar de uma forma bem explícita como o raciocínio holístico é perigoso:
A maioria dos brasileiros é contrária à privatização. Logo, o povo brasileiro é contrário à privatização. José é brasileiro, logo é contrário à privatização.
Esse exemplo é falacioso, mas cai na opinião pública de forma menos explícita. Todos passam a acreditar. Nesse momento, os argumentos e debates se erguem sobre um solo de mentiras. E a verdade é rejeitada nesse reino de inverdades como se fosse mentira. A verdade no reino da mentira é como se fosse mentira.
Você ainda pode usar os conceitos holísticos, mas tenha em mente os problemas que surgem ao usá-los.
Tenham um bom dia!
Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Holismo
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http://copaziodesaber.blogspot.com.br/2013/12/mc-donalds-criticas-ao-capitalismo-e.html - Se critica um símbolo para se criticar o que significa, mesmo que o símbolo não seja o melhor alvo das críticas.
Indicações
Entrevista com um professor de filosofia da UFRJ, realizada pelo Instituto Ludwin Von Mises - http://www.youtube.com/watch?v=l-SNtf8TKaE
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