terça-feira, 14 de janeiro de 2014

"Rolezinho" e apartheid

     Tinha que estar dormindo neste momento, mas "não deixe para amanhã o que se pode fazer hoje". Que história é essa de comparar a situação com o apartheid?
     Compreenda o/a leitor/a que estou com sono e cumprindo a parte "desabafos" do blog.

     O apartheid era uma situação em que a "etnia branca" malvada discriminava a "etnia 'afrodescendente'" (ou negra). Os negros não podiam frequentar os mesmos lugares, tinham que dar preferência aos brancos etc.
     Vale lembrar que os comerciantes - brancos, negros ou cinzas - se opunham a essa divisão (exceto os comerciantes malvados que gostavam da discriminação). Explico: Os capitalistas malvados são egoístas. Eles não dão a mínima para a etnia de quem vai comprar a passagem de trem. O importante é que a pessoa pague e não incomode os outros. Com o apartheid, os capitalistas malvados tiveram que fazer um vagão a mais de forma a não manter no mesmo vagão os negros e os brancos. Eles também perdiam clientes negros se viviam em bairros de brancos, e perdiam clientes brancos se viviam em bairros negros. Bem feito para os capitalistas malvados!

     Na história do "rolezinho" - os donos dos shoppings obtiveram autorização para limitar e multar baderneiros em suas propriedades - não se iniciou com a história de separação da sociedade em dois grupos imaginários. Jovens resolveram combinar "rolezinhos" no shopping... Acabaram fazendo baderna.
     Se os jovens tivessem se comportado bem e tomado uns sovertes, ninguém iria reclamar. Acontece que se comportaram mal. Como castigo, os donos dos estabelecimentos resolveram se prevenir de outro evento semelhante.
     Vale enfatizar: Não importa se eles eram ou não pobres, o importante é que fizeram bagunça! Se tivessem ido lá para tomar um sorvete e não atrapalhassem a vida de ninguém (não congestionassem escadas rolantes, por exemplo), não haveria motivo para fazer nada contra eles.
      Os jovens se sentiram injustiçados. Eles deveriam ter o direito de criar confusão. Fazem isso em casa e nada acontece (ok, exagerei). Vítimas de um coitadismo gerado pela mistura de baixa autoestima e ignorância das normas sociais de comportamento e etiqueta, recebem apoio de uma sociedade que também os vê como coitadinhos.
     Mas pensaram qual foi o problema. Como bons coitadistas, descartaram que o problema era neles mesmos. Olhe primeiro para o outro. A culpa é sempre do outro.
     Como bons coitadistas, têm um motivo que funciona sempre para atingir o adversário e fazê-lo sentir culpa. "Minha mãe não gosta de mim", "Sou feio, você não gosta de pessoas feias", "Sou burro, os burros são desvalorizados" e outros "xingamentos" que impõem impiedosamente a si mesmo e culpam o outro por fazê-lo. Coloco entre aspas pois nem sempre são xingamentos, o importante é que a palavra faça a sociedade sentir pena.
     Tal comportamento segue o que Lênin já dizia: "Acuse os adversários do que você faz, xingue-os do que você é", o que me lembra o duplipensar (acreditar em duas ideias contraditórias ao mesmo tempo) e o "negribranco"
      Negribranco - "Aplicada a um adversário, alude ao hábito que esse adversário tem de afirmar desavergonhadamente que o negro é branco, em contradição com os fatos óbvios. Aplicada a um membro do Partido, manifesta a legal disposição de afirmar que o negro é branco sempre que a displina do Partido exigir. Mas significa ao mesmo tempo a capacidade de acreditar que o negro é branco e, mais, de saber que o negro é branco, e de esquecer que algum dia julgou o contrário" - 1984 - George Orwell.
     Ou melhor, lembra o patofalar.
     Patofalar - "Grasnar como um pato" - "Aplicada a um adversário, é um insulto; aplicada a um correligionário, é um elogio" - Certo, não se encaixa muito bem, mas a ideia é parecida.
     Enfim, os jovens coitadistas - experientes no coitadismo não obstante a idade - recorrem à divisão da sociedade por classes (seja lá como é feita essa divisão). Coitado de mim, sou da classe pobre, sou vítima da classe rica exploradora. Ai de mim, esse é o novo apartheid, devido à minha condição de berço, sou discriminado por aqueles que nasceram com dinheiro (por algum motivo, não deve haver piedade para a classe rica, embora o determinismo de classe a obrigue a agir e pensar assim). A culpa é da classe rica, ela é a culpada pela minha pobreza (seja lá por qual mecanismo), ela é totalmente discriminatória e não dá ouvidos a qualquer coisa que se fale ou argumente. A classe rica é intolerante com a classe diferente.
      Tudo bem, tenho que admitir que parte da "classe rica" (seja lá o que isso signifique) tem se pronunciado de forma intolerante. Mas também não são todos. Não é a "classe rica", são pessoas que você julga serem da "classe rica". Enquanto há pessoas dizendo "pobre não tem que ir ao shopping mesmo", há outras dizendo "coitadinho deles, eles precisam de lazer" e são da mesma "classe", OH!
      Tentei demonstrar (sinto-me tentado a colocar c.q.d. no final) que isso não é exatamente análogo ao apartheid. No apartheid, não há coitadismo, há brancos malvados. Aqui há coitadismo, há vítimas se vitimizando (só não é tautologia pois as vítimas não costuma(va)m se vitimizar, eram vitimizadas por outros).

     Falta a parte dos capitalistas malvados. É mais um complemento. Na história do "rolezinho", os capitalistas malvados têm sua propriedade invadida (caso do dono do shopping - sim, por mais estranho que pareça, o shopping tem um dono, ao contrário de uma praça pública), seus produtos subtraídos (vários produtos desapareceram durante os "rolezinhos") e seu comércio prejudicado (os vendedores e os clientes ficaram com medo; clientes tinham dificuldade de circular e entrar em lojas). O "rolezinho" não faz bem para os negócios.
     Apartheid, como disse lá em cima, faz mal para os negócios. O capitalista malvado e egoísta quer explorar o consumidor, não se preocupa se vai explorar branco ou negro (ou cinza - tá, não teve graça, já parei).
     Apartheid foi gerado por leis. Se dependesse dos capitalistas malvados, não teria sido tão segregacionista. A luta do proprietário contra o "rolezinho" não deriva de lei, deriva de um direito natural a manter a sua propriedade, é o dono quem decide quem pode entrar e o que pode fazer dentro do seu terreno. O apartheid é uma imposição que viola essa liberdade à propriedade, o governo passou a ordenar que se discriminasse mesmo envolvendo serviços e espaços particulares.
     Vou falar de novo que não são todos os capitalistas que não se importavam quem era explorado, havia aqueles que preferiam explorar os brancos.

     Tenham em mente, mais uma vez, que estou com sono e que é um desabafo. Para mim é (no futuro pode não ser) um absurdo comparar o que está acontecendo com o Apartheid (o "A" maiúsculo não é pela magnitude de suas ideias, mas pela extensão de sua maldade. Poderia ser mais apropriado um "a" minúsculo pelo valor das ideias desse nome).

Obs.: (15/01) Resolvi acrescentar essa observação para pedir desculpas a qualquer pessoa envolvida nos "rolezinhos" e que não se encaixa no perfil de coitadismo. Não deixei isso muito explícito, então peço desculpas caso alguém se sinta ofendido por aquilo que não é.


Tenham uma boa noite!

Indicação de leitura:
1984 - George Orwell

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